Coração insensível

Sábado da 34ª semana do tempo comum. Penúltimo dia do Ano Litúrgico B. Neste ano, lemos e refletimos o Evangelho de Marcos, que tem como principal objetivo de dizer quem é Jesus para nós. Não de forma teórica, mas a partir das suas ações libertadoras em favor dos pequenos. A partir de amanhã, com o Advento, iniciaremos o Ano Litúrgico C. Nele vamos tomar contato com o evangelista Lucas, que nos mostra Jesus sempre em clima de oração, além, de tratar especificamente da infância do menino Jesus.

Uma manhã de muito sol e calor aqui pelas bandas do Araguaia. A lua mudou e as chuvas a acompanharam, como afirmam os mais velhos por aqui. Amanheci com a minha cabeça pensando no jovem Anthony Nicolas. Já até falei sobre ele aqui neste espaço. Um garoto de apenas 8 anos, mas que já passou por momentos difíceis de um verdadeiro calvário, em seu estado de saúde. Passou por cirurgia para retirada de parte de seu crânio, mas que agora se encontra bem e se recuperando em Cuiabá. Para ele, solicito que todos e todas que estiverem lendo este texto, dediquem um momento de suas vidas para rezarem por este anjo bom e sua sofrida família. Quem assistiu aos vídeos de Nicolas conseguem perceber, através dele, a presença inefável de Deus em sua pessoa.

A pandemia segue a sua rotina espalhando o terror entre nós. Mais uma vez a humanidade sente-se de joelhos diante de um vírus imprevisível. Desta vez, mais uma variante resolveu fazer-se presente. Trata-se da variante do coronavírus denominada de omicron, ou também chamada de B.1.1.529. Foi detectada nestes últimos dias na África do Sul, chamando a atenção dos cientistas de todo mundo, pela capacidade de mutação do vírus, com alto grau de agressividade e poder de transmissibilidade. Contra este, nenhuma de nossas vacinas possui eficácia, dada a sua complexidade.

Todavia, mesmo neste atual contexto de insegurança à saúde pública mundial, alguns de nossos governantes ainda insistem na realização das festas carnavalescas, além de manterem os estádios, com sua lotação máxima, para a realização das partidas de futebol. Originariamente detectada na África do Sul, fez com que, pelo menos 9 países mais sérios, anunciassem restrições aos vôos advindos das nações africanas. Tudo indica que daqui por diante, deveremos estar sempre prontos a lidar com situações como estas. Já fiz a minha parte. Tomei a dose de reforço nesta última quinta feira (25). Estou só a bagaceira. Se as duas primeiras doses da AstraZeneca, não provocaram nenhuma reação adversa em mim, esta Pfizer me derrubou. Estou me sentindo como se um caminhão passasse por sobre mim. E eu nem tive como anotar a placa.

Mas voltando ao contexto da liturgia do dia de hoje (Lc 21,34-36), Jesus continua com o seu “Discurso Escatológico”. Desta vez, Ele alerta aos seus discípulos e discípulas para não trazerem dentro de si um coração insensível. A pior coisa que poderia acontecer ao discipulado de Jesus seria manter no peito um coração que não é capaz de abrir-se à realidade que se apresenta à sua frente. Nunca é demais lembrar que o povo semita tinha a compreensão de que o conhecimento passava necessariamente pelos ditames do coração e não pela razão em si. Assim, conhecer para eles, era trazer dentro do coração o entendimento daquilo que se passava à sua volta. E Jesus vai no âmago desta questão, ao dizer para todos ali à sua volta: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis…” (Lc 21,34) O coração insensível faz a pessoa agir de qualquer maneira, sem se envolver com nada. “Par mim, tanto faz”, até dizem alguns que se dizem cristãos e muito católicos. Um coração insensível faz a indiferença e a omissão terem morada dentro de si. E nada os faz mudar de atitude, permanecendo fechadas em seus pensamentos egocêntricos. A pessoa de coração insensível basta a si mesma e faz as coisas girarem apenas em volta delas.

Faz muito sentido este alerta de Jesus. Nos dias que ora estamos vivendo, mais do que nunca somos desafiados a abrir o nosso coração e a nossa mente para entender a realidade de sofrimento que muitos de nós estão vivendo: já passamos de 20 milhões de pessoas que estão passando fome; 15 milhões de desempregados; 60 milhões vivendo na informalidade; 116 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, centenas de milhares de famílias enlutadas pela morte de seus entes queridos. Ver esta realidade e nos calarmos, estaremos demonstrando não somente a insensibilidade de nosso coração, mas traremos as nossas mãos manchadas pelo sangue de muitos inocentes que estão tombando na luta pela vida. Ser cristãos é mais do que professar a fé no Filho de Deus. É assumir com Ele um compromisso de lutar, com todas as nossas forças, para que o nosso irmão, a nossa irmã tenham vida em plenitude, pois foi desta forma que nos projetou para viver neste mundo. Ou mantemos o nosso coração sensivelmente antenado, ou nos destruiremos a todos, como mesmo disse o filósofo e teólogo francês Teihard Chardin (1881-1955) “Nós mesmos somos o nosso pior inimigo. Nada pode destruir a humanidade, mas a própria humanidade.”

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.