1964: Nunca Mais!

Sexta feira da Quinta Semana da Quaresma. Sextou pela última vez nesta Quaresma. Os dias vão sucedendo e nós, dentro deles, fazendo a história acontecer: se possível mudando de rumo e direção, em sintonia com o Projeto de Jesus. Mudar para sermos nós mesmos, mas de roupagem, pensamento, decisões e atitudes renovadas. “O Deus que é tudo em todos” (1 Cor 15,28) nos quer seus, mas buscando a vida em todas as circunstancias de sua plenitude. É para frente que se anda tendo como horizonte possível as utopias do Reino. Esperançando sempre sem desanimar!

31 de março. Data que nos arrepia só de lembrar. Neste fatídico dia, há 59 anos, a historia brasileira foi manchada com um terrível “Golpe de Estado”. Os militares usurparam o poder democrático e ali permaneceram por sucessivos 21 anos de desmandos: torturas, assassinatos, desaparecimentos, perseguições e todas outras formas de atrocidades. Para os que vivemos na pele e no cotidiano tais agruras, “Nunca Mais!” Olhar para este passado e não deixar que a memória nos faça refletir, esta é a nossa missão. Para os que defendemos a vida, nunca mais as mortes anunciadas e antecipadas pela força daqueles que se achavam os donos da verdade.

“Memória se faz na história” Preservar a memória não é viver e ficar preso ao passado distante, mas conservar as informações, o conhecimento e os saberes ancestrais, para que assim, possamos nos situar e lembrarmos-nos de onde viemos e quem nós realmente somos. Como nos diria o filósofo e escritor italiano Marco Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.): “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”. Lembrando que este grande pensador foi assassinado exatamente em consequência das ideais que defendia.

Tempos obscuros também para os povos indígenas que sofreram duramente a intervenção militar em seus territórios. Falo a partir da realidade que conheço e dou testemunho dela. Infelizmente, no governo Castelo Branco (15 de abril de 1964 – 15 de março de 1967), os militares implementaram o Plano de Integração Nacional (PIN), no intuito de expandir as fronteiras internas do Brasil, criando cidades, ampliando os negócios, as rodovias e o escoamento de matérias-primas. Isso significou o assassinato individual e coletivo, perseguição, criminalização, prisão e tortura de muitas lideranças indígenas que lutavam por seus territórios ancestrais sagrados. Genocídio acompanhado de etnocídio e ecocídio, diríamos hoje.

Não há como não se ter um mínimo de consciência crítica para entender que o nosso passado histórico manchou as paginas de nossas vidas. Viver no hoje de nossa história requer um posicionamento firme e decidido contra estes desmandos. Viver o hoje, vendo o passado para que não o repitamos no futuro. A vida pede passagem e sem sobressaltos, como nos ajuda a pensar o teólogo brasileiro e meu professor Hugo Assmann (1944-2008): “Se viver é substancialmente uma atividade cognitiva, não há como não admitir que toda aprendizagem é um processo que acontece no organismo vivo. Aprender é sempre uma atividade corporal”.

Atividade corporal de Jesus ameaçada, diante de seus opositores, ávidos para apedrejá-lo, pelas blasfêmias que, segundo eles, Jesus proferira: “Não queremos te apedrejar por causa das obras boas, mas por causa de blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!” (Jo 10,33) Uma realidade de difícil entendimento para a comunidade judaica que não havia ainda feito a sua adesão ao seguimento de Jesus. Deus é imanência e é também transcendência. O Ser imanente de Deus significa que Ele está presente dentro de Sua criação – incluindo a raça humana – e age ativamente nela e por meio dela. Deus agindo na pessoa do Filho enviado.

O que Jesus tenta mostrar a partir de si mesmo é que Deus é também transcendência. Significa que o Deus da vida é infinitamente superior a Sua criação. Assim, Jesus é imanente e transcendente. Em sua natureza humana, Ele traz em si o Ser Divino de Deus. Um ser humano totalmente diferente de qualquer uma das Criaturas de Deus. Ao se revelar como enviado de Deus, Jesus define sua condição de Messias, apresentando-se como o Filho de Deus, Verbo encarnado. As provas cabais deste seu messianismo não são apenas palavras ditas, anunciadas, mas fatos concretos: suas ações comprovam que é Deus quem n’Ele age. O imanente e transcendente de Deus está presente na pessoa do Filho, Jesus de Nazaré. Convencer os que não acreditam nesta verdade teológica, já é outra história. Que neste dia façamos nossas as palavras ditas por Cassia Guimarães: “As nossas raízes, cultura, memória e história são fatores fundamentais de preservação, para que não se cometa os mesmos erros do passado”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.