Profeta da utopia

Profeta da utopia
(Chico Machado)

26º domingo do tempo comum. Um domingo de manhã diferenciada. A chuva que caiu sobre nós ontem, mudou completamente o clima. No lugar do calor, típico entre nós, o frescor de uma brisa suave, pairava sobre o tempo. Deus sendo mais uma vez generoso para com todos nós, apesar daqueles que se ocupam em destruir a mãe natureza a custo dos interesses pessoais dos lucros fartos, “Pois Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). Jesus que trata de romper com os esquemas da sociedade que dividem as pessoas entre boas e más, puras e impuras.

Rezei hoje na companhia do profeta do Araguaia. Com as flores do pequizeiro ditando o aroma do recinto, me vi ali, frente àquele túmulo, vendo meu corpo energizar-se. Uma saudade enorme tomou conta de meu coração. Este sentimento bom, delineou a minha oração nesta manhã. Fiz em mim a experiencia daquilo que disse certa feita o poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994): “A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo”. Ali, parado no tempo, fiz memória deste nosso poeta da utopia. Me veio na lembrança uma de suas frases ditas a mim em um de nossos diálogos: “Quem segue a Jesus é movido pela utopia do Reino”.

De utopia em utopia, vamos caminhando na direção da construção do Reino de Deus. O já e o ainda não, perpassam as nossas ações, na busca da justiça que se faz distante. Oportunidade que também me fez recordar da visita que um de meus amigos fez a Pedro anos atrás. Providenciei o encontro dos dois, acolhendo este amigo em minha casa. Imaginava ele, que Pedro não fosse favorável ao encontro dele, pelo fato deste meu amigo ser um agnóstico convicto. Pedro, não somente fez questão de estar com ele num diálogo prolongado, como também afirmou que as suas convicções acerca da vida. eram mais genuínas que a de muitos daqueles que se diziam seguidores de Jesus de Nazaré. Meu amigo saiu chorando copiosamente, depois deste seu colóquio com Pedro ao ouvir de seu grande admirado, que ele estava mais próximo do Reino do que imaginava.

Vivemos dias de intensas incertezas. Mesmo sendo otimistas, não conseguimos projetar o amanhã que desponta no porvir. Entretanto, como somos cristãos que queremos seguir o Mestre Galileu, o esperançar precisa estar presente no horizonte de nossos sonhos, anseios e desejos. Talvez por razões como estas, Pedro, nos últimos momentos seus entre nós fisicamente, tenha insistido tanto em quatro palavrinhas mágicas: fé, esperança, teimosia/resistência e utopia. A fé move as nossas ações e nos tira do lugar comum de nossa zona de conforto; o esperançar nos ajuda a projetar para mais além do aqui e agora da caminhada; a teimosia/resistência nos faz atuantes, revigorando os nossos valores e convicções, sem arredar o pé da estrada; e a utopia nos faz enxergar o horizonte possível de outra sociedade que queremos, onde haja espaço para todos e todas nesta Casa Comum, em que estamos todos e todas interligados. Ninguém é melhor que ninguém, por isso estamos em busca de uma “Casa para todos”.

“Sonhar mais um sonho impossível. Lutar quando é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender”, como canta Maria Bethânia em uma das canções de Chico Buarque (Sonho Impossível) Assim, vamos caminhando na estrada, tentando fazer de nossas vidas o seguimento de Jesus. Tarefa nada fácil, mas que se faz mais amena, quando estamos juntos com aqueles que acreditam neste projeto de construir entre nós o Reino de Deus. ”Quem não é contra nós é a nosso favor” (Mc 9,40). É desta forma que Jesus está nos advertindo no Evangelho deste domingo .O Deus de Jesus é o Senhor da história e o seu Filho nos veio demonstrar isto pelas suas ações, se fazendo presente entre nós.

Somos ou deveríamos ser, todos e todas, profetas e profetisas da utopia do Reino. Os pequeninos estão no horizonte da nova sociedade sonhada no sonho de Deus. Os pequeninos dos quais fala o evangelho, são os pobres e fracos que esperam confiantes por uma sociedade justa, fraterna e igualitária. O desafio maior é o de nos fazermos uns com eles, para com eles e para eles construirmos esta nova sociedade. Pedro soube fazer-se igual a eles. Como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, nunca usou nenhum distintivo (Mitra, báculo, anel de outro, roupas suntuosas) que o diferenciasse das outras pessoas e o identificasse como prelado. Ao contrário, nesta sua missão, fez questão de deixar claro em um de seus poemas: “Me chamarão subversivo. E lhes direi: eu o sou. Por meu Povo em luta, vivo. Com meu Povo em marcha, vou. Tenho fé de guerrilheiro. E amor de revolução”. (“Canção da Foice e do Feixe”)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.