O apagão do fundamentalismo

Quinta feira da terceira semana do tempo comum. O dia de hoje amanheceu preguiçosamente, com o sol adentrando as nuvens de forma muito tímida. Alguns chuviscos registraram a presença da chuva que assim se fez ao longo da noite. Rezei neste clima melancólico, tendo como testemunhas alguns dos meus visitantes ilustres de sempre, cada qual entoando melodicamente seu canto característico, acordando o dia. Deus se fazendo presença em, sua criatura, mostrando-nos o quão importante somos para Ele. Um clima franciscano tomava conta do ar emoldurando o dia deste humilde servo de Deus.

“A esperança vence o medo”. Esta era uma das frases que Pedro frequentemente nos alertava, para que enfrentássemos os desafios de cabeça erguida, confiando na presença insubstituível de Deus em nós. Ele se faz um conosco na pessoa do Filho, que veio morar definitivamente no meio de nossa humanidade. O Divino se fazendo humano em nossa realidade histórica, para que possamos edificar o mundo, através das ações benfazejas da construção do Reino sonhado por Deus para os seus. Presença esta que o apostolo Paulo desta forma definiu: “Assim, com sua bondade para conosco em Jesus Cristo, ele quis mostrar para os tempos futuros a incomparável riqueza da sua graça”. (Ef 2, 7)

A luz de Deus está em nós. Somos seres iluminados por esta luz incandescente. Este facho de luz d’Ele se faz presença em cada um de nós. Neste contexto, a grande temática que nos é trazida pela liturgia de hoje é a exatamente esta luz. Jesus está comunicando aos seus seguidores que: “Quem é que traz uma lâmpada para colocá-la debaixo de um caixote, ou debaixo da cama? (Mc 4,21) A lâmpada tem a sua função precípua de iluminar. Por este motivo deve estar em lugar de destaque para que todos possam ser iluminados por ela.

Esta luz irradiante que nos chega é a Palavra de Deus. Ela que vem iluminar o nosso existir coerente, afugentando todas as manifestações das trevas que, porventura possam querer se instalar em nosso ser interior. Luz da Palavra que nos faz encarar a verdade e definir aquilo que precisamos mudar em nós. Luz que nos ajuda a ter a coragem suficiente para ver aquilo que está escondido em nós e que precisa passar por um processo radical de transformação. Luz que nos ajuda a fazer uma viagem ao nosso interior, provocando em nós a necessidade da saída de nós mesmos para assumirmos um compromisso maior com as outras pessoas, que também trazem em si esta luz de Deus. Deus que é luz em nós para que sejamos luzeiros na vida das outras pessoas.

Palavra nem, sempre compreendida na sua verdadeira acepção de Luz Divina. Um dos obstáculos que nos impede de melhor interpretar esta palavra à luz do dia, é o apagão do fundamentalismo. Palavra anunciada, comunicada, mas que precisa passar pelo processo de interpretação (hermenêutica). Palavra esta que antes da reforma litúrgica do Concilio Vaticano II, a partir da constituição dogmática “Sacrossanctum Concilium”, era inacessível a grande maioria das pessoas. A missa, por exemplo, era celebrada somente em latim, com o celebrante de costas para o povo. Neste cenário, a maioria das pessoas simplesmente “assistia a missa”, sem entender nada da Liturgia. Assim, a Palavra não se fazia comunicação. O Concílio possibilitou, entre outras coisas, a celebração na língua vernácula, ou seja, cada comunidade celebrando no seu idioma próprio do país, da nação ou região.

O desserviço que prestam os partidários do fundamentalismo religioso é que ignoram os avanços gerados pós-concílio. No seu apagão, eles viram as costas para grande luz trazida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Este documento foi a grande luz a iluminar a História da Igreja. Como o texto do Evangelho mesmo nos diz, há aqueles que acendem a luz e a escondem, com o medo de deixar que esta luz, ilumine a sua vida. Luz que é a libertação iniciada por Jesus de Nazaré e que não pode ser abafada ou ficar escondida, mas para se tornar conhecida, contagiando a todas as pessoas. Aqueles e aquelas que acolhem a luz da Boa Notícia, aprendem a ver e a agir de acordo com a visão e a ação de Jesus. E a compreensão vai aumentando à medida que se age. Quem não age, perde até mesmo a pouca compreensão que já tem. “Ao que tem alguma coisa, será dado ainda mais; do que não tem, será tirado até mesmo o que ele tem”. (Mc 4,25) Permita que a luz de Deus brilhe em você!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.