O barco do medo

Sábado da terceira semana do tempo comum. O último sábado do mês de janeiro que caminha para o crepúsculo. Um janeiro com as chuvas acima da média para o período aqui pelas nossas bandas. O Araguaia agradece. Está de monte a monte. Fevereiro vem vindo, sem trazer consigo o tão desejado carnaval para alguns de nós, já que os protocolos de segurança sanitária, ainda pedem mais atenção de nossa parte. Não dá para abaixar as guardas, diante de um vírus imprevisível e cruel para com os seus pacientes. Aqui, no Estado de Mato Grosso, 95% das internações hospitalares são de pessoas que não receberam nenhuma das doses da vacina. Fazer o que? Como bem nos dizia o filósofo Cícero (106 a.C.-43 a.C): “A ignorância é a maior enfermidade do gênero humano”.

Mais um final de semana em nossas vidas. Oportunidade para encontrarmo-nos nas nossas comunidades e celebrar o dom maior da vida como dádiva de Deus e também rezar por aquelas pessoas que estão em maiores dificuldades, seja pela doença, pelas conseqüências dela, ou mesmo por todas as formas de vulnerabilidade: desemprego, fome, sem teto, custo de vida elevado. É o rendimento que não dá para custear a vida cotidiana. A despeito disso, o valor que será destinado aos partidos políticos, através da Lei Orçamentária Anual (LOA) para as campanhas eleitorais, poderá chegar a R$ 5,7 bilhões. É muito dinheiro para o pouco trabalho exercido por grande parte destes energúmenos que compõem o parlamento brasileiro.

A liturgia deste sábado nos traz uma situação peculiar vivida por Jesus e os seus discípulos. Inicialmente há o convite do Mestre: “Vamos para a outra margem!”. (Mc 4, 35). Ir para a outra margem significa avançar para mais além. Adentrar águas mais profundas. Enfrentar os desafios mais agudos. Sair da zona de conforto e abrir-se para novos horizontes da fé. Não se contentar em permanecer naquilo que dá mais segurança e comodidade, acompanhado do terrível medo do arriscar. O medo que inibe as ações daqueles que permanecem fechados em si mesmos. A verdadeira fé se faz no compromisso do arriscar sempre. Fé sem comprometer se transforma em teoria doutrinal. Fé pressupõe engajamento permanente.

Atravessar para o outro lado é avançar o limite histórico do paganismo, pois do outro lado estão as nações pagãs. É atravessar as fronteiras do universo do paganismo. O mar revolto, colocando em risco a tripulação do barco significa as forças contrárias, as forças da morte que ameaçam o bem estar da comunidade cristã. Entretanto, Jesus é o Senhor da história e de todos os povos e nações. Estar com Ele é ter a segurança de que o projeto de Deus triunfará sobre todas as forças contrárias, sejam elas quais forem. Mas o medo demonstrado pelos seus discípulos configura uma situação de falta de fé. Fé que os impede de reconhecer quem é este Jesus que se faz presente no meio deles.

Quem tem fé não pode deixar ser dominado pelo medo. O medo é uma demonstração clara de quem não possui uma fé provada no fogo dos desafios de existência. O medo inibe a ação. Mesmo que as ondas fortes dos desafios balancem a barca da nossa vida, não sucumbiremos, pois Ele conosco está. Este foi um dos maiores desafios vivenciados pelos primeiros seguidores de Jesus: não reconhecimento da presença do Jesus histórico estando com eles. Tanto é verdade que tal reconhecimento somente lhes vem quando da “morte” deste Jesus na cruz: “De fato, este era mesmo o Filho de Deus”. (Mt 27,54). O Jesus da fé, o pós-pascal, o Cristo Ressuscitado. Diante do aparente fracasso com a morte de Jesus, a fé descobre o verdadeiro significado da missão de Jesus para a humanidade a partir da sua Ressurreição.

“O contrário da fé não é a dúvida. O contrário da fé é o medo”, dizia-nos sempre nosso bispo Pedro. Por mais que o medo possa fazer-nos visita no cotidiano das dificuldades de nossas vidas, não podemos deixar que predomine sobre nós e as nossas ações. Como o próprio texto do evangelho também diz, não são os discípulos que estão na barca com Jesus, mas é Ele que com eles está. Presença gratuita de Deus no meio de nós. Deus que se faz presente em nossas vidas por iniciativa própria sua: “Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês”. (Jo 15, 16). Nestas horas é bom lembrar de um dos provérbios orientais que assim diz: “Não podemos evitar que um passarinho pouse em nossas cabeças, mas podemos evitar que ele faça o seu ninho sobre as nossas cabeças. Que o medo possa se fazer presente, mas que não tenha última palavra sobre nós. Ainda me referindo ao bispo dos pobres do Araguaia, como temer se “Deus está ao alcance de nossa esperança”? Confiar confiando n’Ele: “No mundo tereis aflições, mas tende coragem. Eu venci o mundo” (Jo, 16,33)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.