Sinal de contradição

Quarta feira da quarta semana do tempo comum. Apresentação do Menino Jesus no templo de Jerusalém. A família pobre de Nazaré, cumprindo fielmente aquilo que prescrevia a Lei Mosaica: “Consagre a mim todos os primogênitos, todo aquele que por primeiro sai do ventre materno entre os filhos de Israel, tanto dos homens como dos animais: ele pertencerá a mim”. (Ex 13,2). Segundo esta tradição judaica, o primeiro filho era o responsável pela descendência. O ato de consagrá-lo era o reconhecimento de que o Criador é o Senhor da vida e o responsável pela continuidade do seu povo.

O sol de hoje nasceu radiante, imponente e majestoso. Isso me propiciou acordar o dia na presença do “patriarca” do Araguaia. Rezei diante do túmulo silencioso de Pedro a minha súplica de agonia. Aos poucos vi o meu estado de espírito se acalmar sendo preenchido pela energia que brota daquele santo lugar. Meu silêncio em forma de oração foi aos poucos sendo preenchido pela presença cúmplice do sol, descortinando na Ilha do Bananal, cobrindo de raios, afugentando a penumbra de mais uma noite que se despediu, dando lugar ao dia no Araguaia.

Neste mês de fevereiro (dia 15), nosso profeta estaria completando 94 anos. Já estamos caminhando para o segundo ano de sua páscoa. Que falta nos faz este peregrino das causas dos mais pobres! Ele que se apresentou diante de Deus, da mesma forma que viveu a sua radicalidade evangélica, fiel às mesmas causas de Jesus de Nazaré. A simplicidade de seu túmulo diz sobre a sua vida entre nós, numa fidelidade extrema aquilo que acreditou, se fazendo servo, em todos os sentidos. Aos que não o conheciam dificilmente imaginariam que estivessem diante de um bispo, tamanho o seu despojamento. Concluí a minha oração deste dia cantarolando em meu intimo uma de suas canções póstumas, “Ruah, Vento de Deus”, belamente musicada por Cirineu Kuhn. https://www.youtube.com/watch?v=fXIFKseXUIM

Pedro continua sendo luz em nossas vidas! Uma luz que brilha apontando-nos o caminho em direção à “Testemunha Fiel”, Jesus Ressuscitado. Eu não saberia dizer o que seria de mim, sem os ensinamentos que obtive na convivência com este homem de Deus. Um dia muito importante para iniciar o dia com Pedro, sobretudo por causa da festa que a Igreja celebra no dia de hoje: “Nossa Senhora das candeias”. Uma devoção que está ligada também a festa da Apresentação do Menino Jesus no Templo e da purificação de Nossa Senhora, a exatos quarenta dias após o nascimento de Jesus. É sempre importante lembrar que na tradição mosaica, as parturientes, após darem à luz, se tornavam impuras e cumpriam uma quarentena. Posteriormente deviam apresentar-se diante do sumo-sacerdote para a purificação, apresentando ali o seu sacrifício (um cordeiro e duas pombas ou duas rolas).

O casal pobre de Nazaré cumpre assim a tradição judaica e vai ao Templo de Jerusalém apresentar o Menino e purificar a sua mãe. Ali naquele espaço, há o encontro de gerações do velho testamento com novo. Simeão e a profetisa Ana simbolizam esta transição de um Messias que era aguardado de muito tempo antes. Pobres se encontrando com os pobres, uma vez que Simeão e Ana também representam a comunidade dos pobres que aguardavam ansiosamente pela libertação. De tanto aguardaram que Deus responde aos anseios deles e faz brotar a esperança com a vinda do Messias, que ali se encontra diante deles: “porque meus olhos viram a tua salvação” (Lc 22, 30). Tanto que as palavras proferidas por Simeão relembram a vida e a missão de Jesus, Verbo encarnado na realidade humana. Jesus que será sinal de contradição em meio a uma sociedade que descartava os pobres. Um sinal de contradição que trará o julgamento para os ricos e poderosos, mas, por outro lado, será a libertação tão sonhada para os pobres e oprimidos (cf. Lc 6,20-26).

Voltei para casa deixando ressoar em mim o vento de Deus como sopro da vida. E no sinal de contradição do Filho de Deus, pedi que si fizesse presente em mim aquilo, que está escrito em forma de poesia, numa das estrofes da Rauh: “Joga-me contra a injustiça em furacão de verdade. Deita-me encima dos mortos, boca profeta a chamá-los”. Desafio de ser cristão, seguidor coerente, com este sinal de contradição que é Jesus. Ser sinal vivo da luz de Deus em meio à escuridão dos pobres, tendo a Senhora das Candeias como a fonte irradiante do próprio Deus em nós. Que eu seja a luz de Deus a brilhar para os povos indígenas nesta Amazônia sofrida e calejada pelas forças da morte, como nos pede a “Ladainha dos defensores e defensoras da Amazônia” (Letra de Jesus Gonçalves e voz de Alessandra Oliveira)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.