Confessar sem medo de mentir

Quinta feira da sexta semana do tempo comum. No dia de hoje (17), há cem anos, encerrava-se a Semana de Arte Moderna, movimento que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 a 17 de fevereiro de 1922. Os autores deste movimento se preocuparam em promover a cada dia da semana um trabalho cultural, seja na pintura, na escultura, na poesia, na literatura e também na música. Movimento que marcou a trajetória histórica do país, cujos expoentes máximos de cada uma destas áreas, se fizeram presentes, dando suas contribuições, com novas ideias e conceitos artísticos, como a poesia através da declamação, que antes era só escrita.

Diferentemente da Semana de Arte Moderna, esta que ora estamos vivendo, será marcada por mais uma tragédia. As chuvas seguem fazendo vítimas entre nós. Desta vez, atingiu a população pobre da região serrana do Rio de Janeiro. Petrópolis se transformou em terra arrasada. Depois do temporal desta terça feira (15), a cidade ficou irreconhecível com a destruição de casas, deslocamento das encostas, e carros amontoados, inclusive em cima das casas. No dia de hoje, contabiliza um total de 104 mortos, mas já se sabe que este número será ainda maior, uma vez que há muitas pessoas desaparecidas, certamente soterradas pelos escombros.

Mais uma vez os pobres pagando a conta com as suas vidas, pelo descaso das autoridades “competentes”, que não trabalham com políticas públicas preventivas para atender as pessoas que moram em áreas de risco. Foi assim na Bahia, em Minas Gerais, São Paulo e agora, no Rio de Janeiro. Esta é uma realidade recorrente todos os anos, nos períodos de chuva. Entra ano e sai ano e as coisas se repetem. Segundo os mais entendidos, esta será uma realidade que se repetirá com mais frequência daqui por diante, dada a destruição ambiental sistemática, promovida pelo “bicho homem”. Diante deste cenário, difícil não lembrar de uma das frases atribuídas ao romancista e dramaturgo francês, Victor Hugo (1802-1885): “É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve.”

Uma quinta feira em que a liturgia nos coloca em sintonia com Jesus fazendo uma espécie de revisão se sua prática com os seus discípulos, de como a sua mensagem estava chegando às pessoas simples do meio do povo. Eles estão a caminho para uma região denominada de Cesaréia de Felipe, uma antiga cidade, localizada a sudoeste do monte Hermon. Com sua clássica pergunta, “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27) Jesus praticamente desestabiliza os seus discípulos. Como se fossem pegos de surpresa, pois a pergunta os deixaram incomodados. Conforme a resposta deles, dá a ideia de como eles estavam vendo a atuação de Jesus no meio deles e qual a sua origem.

Pedro, de personalidde forte, manifestando mais uma vez o seu espirito de liderança, faz uma das confissões mais realistas acerca da presença de Jesus no nosso meio. Confessa sem medo de mentir: “Tu és o Messias”. (Mc 8, 29) O evangelista Mateus acrescentaria: “O filho do Deus vivo” (Mt 16, 16) Com esta sua pergunta, Jesus força os discípulos a fazerem uma revisão de tudo o que ele havia realizado entre eles. O povo ainda não havia entendido quem era Jesus. Somente os discípulos, que acompanhavam de perto o que Jesus tinha feito, são capazes de reconhecerem, que Jesus era o Messias.

Esta é uma pergunta que Jesus faz hoje também a cada um de nós: “Quem sou eu para você? Temos uma dificuldade enorme de respondê-la através da fé que nutrimos por este Jesus. Em virtude de uma catequese mal feita e sem muitos atributos exegéticos e teológicos, quase sempre damos uma resposta que mais satisfaz aos nossos interesses do que a verdadeira missão messiânica de Jesus entre nós. A nossa resposta diz quem nós somos e como vivemos a nossa fé nos embates históricos do dia a dia. Falta-nos coragem, engajamento e desprendimento, para reconhecer que a ação messiânica de Jesus consiste em criar um mundo plenamente humano, onde tudo é de todos e repartido entre todos. Um messianismo revolucionário que destrói todas as estruturas de uma sociedade injusta, onde há ricos à custa de pobres e poderosos à custa de fracos. O Ser de Jesus que entra no nosso ser cristão, fazendo de nós peças chaves na construção deste outro mundo possível, onde a utopia do Reino se fará presente em tudo e em todos. Confessar sem medo de mentir: Tu és o Messias, o divino de Deus se fazendo humano em nossa humanidade histórica. A fraqueza humana se fazendo fortaleza, através do Messias, Verbo encarnado. Que assim seja!! Namastê!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.