Quinta feira da sétima semana do tempo comum. Depois do dilúvio que desabou dos céus no dia de ontem, um novo amanhecer se fez presente entre nós. Dia aprazível, fazendo com que os meus diletos “amigos” de sempre, amanhecessem festivos. A mãe natureza nos acolhendo a todos, favorecendo nossas atitudes de louvor ao Deus Criador. Eu, do meu jeito de dialogar com o Pai, no formato de súplicas, com os demais seres e os seus mantras peculiares. Assim rezamos todos nós, agradecendo a Deus por mais um dia de vida, sem nos esquecermos que o melhor agradecimento não se resume em palavras, mas nas ações que fazemos no dia a dia.
Um dia triste para história da humanidade. A geopolítica internacional está apreensiva. No dia de hoje as forças militares russas se encarregaram de iniciar uma ampla invasão da Ucrânia. Cerca de 150 mil soldados estão prontos para a guerra. O confronto mal começou e já há pelo menos sete mortos e 19 desaparecidos, segundo as autoridades ucranianas. Tudo indica que a intenção do presidente russo é anexar o território ucraniano à Rússia. Não bastasse a guerra da pandemia, que já tirou a vida de mais de cinco milhões de pessoas, temos agora que conviver com um confronto bélico entre Davi e Golias. De consequências imprevisíveis. Resta-nos rezar e suplicar como fez o Papa Francisco: “Que a Rainha da Paz preserve o mundo da loucura da guerra”.
Com o dilúvio de ontem, fiquei impossibilitado de rabiscar como sempre tenho feito nas manhãs de cada dia. Com a energia indo e voltando, ficamos sem internet e também receoso de que, a qualquer momento, meu computador sofresse uma descarga de energia. Como estou me preparando para o retorno médico e exames em Goiânia (02, 03 e 04 de março), aproveitei para iniciar alguns deles por aqui. Como cidade do interior do interior, nossa São Félix não dispõe de tratamentos e exames especializados. O jeito é deslocar 1.100 km para ser atendido num centro como Goiânia. Ficar velho tem um custo, ainda mais para aqueles como eu que não dispõe de um plano de saúde. O jeito é adequar com os preços das clínicas populares, que ofertam tais serviços, por um preço mais camarada.
A liturgia deste dia nos reservou um texto que nos faz refletir sobre a realidade dos empobrecidos. Tiago nos faz um alerta explícito sobre a discrepância entre a vida dos ricos e poderosos, num comparativo com a vida dos pequenos: “E agora vocês, ricos: comecem a chorar e gritar por causa das desgraças que estão para cair sobre vocês. Suas riquezas estão podres, suas roupas foram roídas pela traça; o ouro e a prata de vocês estão enferrujados; e a ferrugem deles será testemunha contra vocês, e como fogo lhes devorará a carne. Vocês amontoaram tesouros para o fim dos tempos”. (Tg 5,1-3) Um alerta verossímil. Mais direto impossível.
Tiago, neste texto, procura refletir a problemática vivida pelos empobrecidos da Palestina do final do primeiro século. Entretanto, parece que tal texto fora escrito mais recentemente, pois o contexto atual não está muito distante desta realidade. Uma crítica contundente aos ricos e poderosos, que se enriquecem à custa do suor e sangue dos trabalhadores. Ricos que visam tão somente o lucro farto, cometendo graves injustiças sociais, na sua avidez por acumulação de riquezas que não visam o bem comum coletivo. Aqui, as classes sociais não são um mero conceito instituído pelo filosofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883), mas uma realidade nua e crua, seja na Palestina dos primeiros séculos, seja na realidade brasileira atual.
“Há ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”. Esta foi também uma das frases proféticas ditas pelo Papa João Paulo II, no seu discurso de abertura da III Conferência do CELAM, em Puebla, México, no ano de 1979. Uma frase emblemática, que ganhou o mundo e que serviu como pano de fundo para o contexto da caminhada da Igreja latino-americana e caribenha, identificada com as causas dos pequenos. Frase esta não muito distante daquilo que propõe a Doutrina Social da Igreja (DSI), que é um conjunto de escritos em forma de cartas, encíclicas, exortações, pronunciamentos, declarações, que compõem aquilo que chamamos como sendo o pensamento do magistério católico a respeito “questão social”. Doutrina Social esta que nos provoca a recriar para os dias atuais, a dimensão sociopolítica da fé fundamentada na Boa Nova de Jesus de Nazaré.
Frente a este cenário, somos desafiados a pensar e estruturar uma economia para a vida. Economia solidária. Não uma “economia que mata”, como nos alerta o Papa Francisco. Uma economia cujos parâmetros que a constitui, seja a defesa intransigente da vida. Não uma economia pensada e arquitetada pelos economistas de plantão, comprometidos com o capital financeiro dos banqueiros e dos poderosos. Uma economia que seja portadora de alma, como nos demonstra a “Economia de Francisco”, cujo centro paradigmático são: “As relações sociais, a vida em sua diversidade e dignidade, na construção de uma nova sociedade mais igualitária, onde mulheres, crianças e adolescentes, negras e negros, povos originários, comunidades LGBTQIA+ e todos os demais grupos oprimidos tenham seus corpos respeitados e direitos garantidos, pautando-se pelos valores da sororidade/fraternidade universal, diversidade do sagrado, justiça social, paz e sustentabilidade”. Que assim seja! Awire! Wedi! Axé! Aleluia!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.