O sábado e a Lei

Terça feira da quarta semana da quaresma. Vamos seguindo com o nosso propósito na busca de nossa conversão. Mudança de vida necessária para adequar a nossa vida ao Projeto de Deus. Mudar para viver com dignidade, num mundo marcado pela discórdia, ódio e intolerância de todas as espécies. Na conversão, alinhamos o nosso coração à nossa mente, promovendo assim as mudanças pertinentes, como nos alerta a CNBB através do texto base da Campanha da Fraternidade de 2022: “A realidade da educação interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e a cidadania”. Conversão para uma educação de qualidade.

A educação básica no Brasil pede socorro. Como se não bastasse o baixo índice de aproveitamento dos alunos, segundo dados levantados pelo Censo Escolar da Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC), o número de escolas públicas que não têm banheiro e internet de banda larga cresceu entre os anos de 2019 e 2020. Uma situação caótica, mostrando que as escolas já estavam com déficit de estruturas essenciais para a reabertura durante a pandemia e, caso não tenham sido feitas as mudanças necessárias, podem ser um entrave para estudantes e professores no retorno às aulas presenciais, como ficou evidenciado em muitas destas escolas.

Precisamos desencadear uma guerra contra o descaso que se transformou o trato com a educação básica em nosso país. Não dá mais para conviver com esta realidade e ficarmos indiferentes, visto que a parcela mais prejudicada são os filhos e filhas das camadas mais empobrecidas da prateleira de baixo de nossa sociedade. Vidas estudantis estão sendo destruídas. A outra guerra, que mata os inocentes, recebe também o nosso repúdio, como fizeram os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, por iniciativa do líder tibetano Dalai Lama, que escreveram uma carta contra a Guerra e as Armas Nucleares: “Nós pedimos à Rússia e à OTAN que renunciem explicitamente a qualquer uso de armas nucleares neste conflito, para garantir que nunca mais enfrentemos um momento semelhante de perigo nuclear.

Já quanto a liturgia deste dia de hoje, mais uma vez nos deparamos com a fatídica interpretação da Lei perante o dia de sábado. Jesus está em Jerusalém. Os tradicionais conservadores “Homens da Lei” não concebem de forma alguma que se faça o bem a quem quer que seja em dia de sábado, ferindo a propositura da Lei. Jesus mais uma vez passa por cima desta interpretação arcaica conservadora da lei ao afirmar: “O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado. (Mc 2,27) Ou seja, a pessoa humana está no centro da obra de Deus. Assim, cultuar a Deus é fazer o bem a pessoa. O desafio maior perante a Lei é dar um sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas.

A Palavra de Deus precisa ser interpretada para que nos ajude a vivê-la no cotidiano de nossas vidas. Não basta lê-la. É preciso entender e interpretá-la dentro de seu contexto sócio histórico. O texto de hoje, por exemplo, nos traz um personagem significativo: um pobre coitado que há 38 anos sofria de uma doença que havia paralisado os seus movimentos. O primeiro aspecto que devemos ter cuidado é com as nossas expressões linguísticas. Ao nos referirmos às pessoas com limitações física, intelectual, auditiva, visual ou sensorial, é necessário utilizar termos adequados e atuais, para não incorrermos no risco de, inconscientemente, denotar algum tipo de discriminação. Dizer cego, aleijado, paralítico, nem pensar! Desde o Ano internacional da Pessoa com Deficiência, em 1981, passamos a adotar a expressão “Pessoa deficiente”, que a partir da década de 1990 mudou para “pessoa com deficiência”, como termo mais adequado.

Jesus realizando o seu terceiro sinal na compreensão do evangelista São João: Cura de uma “pessoa com deficiência física” (5,1-47); Ele cura em pleno sábado. Isto para a ira e inconformidade dos “Homens da Lei”, exatamente aqueles que se especializaram na arte e na defesa intransigente desta. A Lei pela Lei, sem olhar para a pessoa que fora beneficiada. Com tal atitude, Jesus devolve aquela pessoa ao convívio em sociedade. Lembrando que naquela época, as pessoas com deficiência simbolizavam todo o povo oprimido e paralisado, à espera de alguém que os libertasse. Jesus vai ao encontro do sofredor, e lhe ordena que ele próprio se levante e ande, encontrando sua liberdade e decidindo seu próprio caminho. Esta é a condição que devemos também escolher como paradigma para as nossas vidas: sermos protagonistas de nosso próprio caminhar pelas estradas da vida, uma vez que para Jesus, o importante é a vida e a liberdade. Elas estão acima até mesmo das leis religiosas e da opinião de quaisquer autoridades.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.