O cristão na contramão

Sexta feira da quarta semana quaresmal. A semana chega ao seu final, nos introduzindo no mês de abril. Hoje é o dia da mentira. Nunca, em todos os tempos, que o dia de hoje carrega em si tanta relevância para uma sociedade que tem se especializado em fazer da mentira um projeto de vida. Que o digam os nossos governantes de plantão. Mentem descaradamente! Como estamos no período da quaresma, e a conversão se faz urgente e necessária, dizer a verdade sempre é o primeiro passo para se combater o império da mentira, recordando daquilo que nos fora dito pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): “Que vantagem tem os mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade”.

Rezei nesta manhã embalado pela chuvinha que, mansamente, recaia sobre o meu quintal. Chuva e sol ao mesmo tempo, para a alegria da algazarra de um bando de papagaios que tagarelavam sobre os galhos das árvores, enxovalhados pelos pingos da chuva. Como crianças em festa, comunicando-se felizes em seus dialetos, enaltecendo assim o mistério da nossa mãe natureza. Em meio a este cenário e. vendo o dia chegar de mansinho, com o sol despontando no horizonte da Ilha do Bananal, sem se intimidar com a chuva, me fiz orante. Como dizem por aqui: “sol e chuva, casamento de viúva”.

Rezei cantarolando em meu intimo a canção do Padre Zezinho “Canção para meu Deus”. Canção esta que neste ano completa 49 anos. Quando dei entrada no seminário (1976), esta era uma das canções que embalavam os nossos sonhos vocacionais juvenis. Muitos, certamente, buscaram o caminho da vida religiosa, inspirados pelas canções do Padre Zezinho. Vêm-me sempre na memória suas canções que alegremente cantávamos na capela do Seminário Santo Afonso, na cidade de Aparecida (SP). Quantas lembranças boas guardam este meu coração sexagenário! Era feliz e sabia que o era.

Sou filho da resistência. Parente próximo da teimosia. Carrego no peito a utopia, com o coração transbordando de esperançamento. Minha vida se confunde com as minhas causas. Convivendo com nosso bispo Pedro percebi que a minha “rebeldia” tinha lugar de ser no Projeto de Jesus de Nazaré. Com Pedro aprendi também que o sonho revolucionário do Mestre pode e deve conviver com o meu ser cristão neste mundo, lutando por outra sociedade possível. Sonhando acordado e com os pés no chão por um mundo, onde possamos ser todos e todas felizes e iguais, não somente naquilo que a Lei dos homens preconiza como princípio constitucional. (Art. V da Constituição Federal de 1988). Livre pensar é só pensar! Ser e estar atuante neste mundo.

Caminhando e fazendo a história acontecer. Como Jesus é apresentado no contexto litúrgico do dia de hoje. Ele está perambulando pela Galileia, encontrando uma forma de chegar à Judeia, visto que os judeus queriam a todo custo matá-lo. Jesus que é obrigado a viver na “clandestinidade” e as escondidas, encontra um meio de participar da Festa das Tendas: dando as caras em publico. Uma festa tradicional para a comunidade judaica, que comemorava os quarenta anos que o povo de Israel transitou pelo deserto, libertando da escravidão do Egito a caminho da Terra Prometida, como bem o dissera o Livro do Deuteronômio: “Por isso, três vezes por ano todo homem deverá comparecer diante do Senhor Deus, no lugar que ele tiver escolhido: na festa dos Pães sem fermento, na festa das Semanas e na festa das Tendas. Que ninguém se apresente de mãos vazias diante do Senhor”. (Dt 16,16)

Jesus e o seu messianismo não sendo reconhecido pelas autoridades judaicas. Mas Ele não se intimida e enfrenta aquele contexto, expondo-se diante daquela estrutura de morte que constituía a sociedade da Palestina de seu tempo. “Em alta voz, Jesus ensinava no Templo, dizendo: Vós me conheceis e sabeis de onde sou; eu não vim por mim mesmo, mas o que me enviou é fidedigno”. (Jo 7, 28) Com sua ação libertadora, Jesus denuncia o agir perverso daquela sociedade, e por isso provoca ódio. Seu messianismo representava perigo e ameaça para as lideranças religiosas judaicas. Jesus é um sinal de contradição em meio a uma sociedade onde os valores foram invertidos e a vida dos marginalizados não possuía valor algum. Com sua ação, Jesus busca apenas realizar a vontade do Pai, e esta se apresenta como libertação total das pessoas, inclusive das estruturas religiosas que escravizam e sacrificavam a vida dos mais indefesos. Como cristãos, somos também sinais de contradição. Andamos na contramão da história como elos da corrente de uma espiritualidade libertadora unidos ao messianismo libertador de Jesus.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.