A voz do preconceito

Sábado da quarta semana da quaresma. Estamos trilhando o 32º dia de nossa peregrinação rumo à Páscoa. Pouco mais de uma semana nos separa do cerimonial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré. Da Galileia é que surge o grande profeta que veio nos trazer o Reino de Deus, sendo Ele mesmo o Verbo encarnado (Jo 1,14), estabelecendo definitivamente a sua morada entre nós. Ao contrário do que propalam os néscios, Ele não está acima de tudo, mas se faz presente no meio de nós. É nosso parceiro na caminhada, mudando definitivamente os rumos da história humana. Ele está no meio de nós! Deus conosco se fazendo um de nós.

O mês de abril nos traz um horizonte novo para as nossas vidas. Os povos indígenas seguem mobilizados para fazer acontecer a 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Todas as lideranças indígenas, indigenistas e parceiros na luta pela defesa dos povos originários, estão sendo convocados para engrossar o movimento que acontecerá em Brasília a partir desta segunda feira (04) e que se estenderá até o dia 14 de abril. O tema central deste acampamento será: “Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política”. A maior mobilização dos indígenas brasileiros acontece num momento de maior retrocesso de sua história, quando tramitam no Congresso Nacional, vários projetos de lei que ameaçam os direitos dos povos originários. Momento também em que cresce assustadoramente a perseguição, criminalização e assassinato das lideranças indígenas. Resistir para viver! “A causa indígena é de todos nós!”

Na segunda metade do mês de abril estaremos comemorando o dia dos povos indígenas (19). Dia dedicado aos primeiros habitantes deste que veio a se chamar Brasil. Os verdadeiros donos destas terras. Nesta data, homenageamos os povos originários, que tiveram um papel fundamental na formação cultural e étnica da sociedade brasileira. Ocasião especial para superarmos todas as formas de preconceito que trazemos estigmatizados em nós contra os povos indígenas. Mais do que “índios”, termo genérico cunhado pelo colonizador/dizimador, eles são ricos de saberes ancestrais, de cultura milenar, e forma de organização de sociedade que ultrapassa os tempos históricos.

A fé exige discernimento. Não podemos deixar que o preconceito fale mais alto em nossas relações em sociedade. O preconceito é a porta de entrada dos ignorantes, na verdadeira acepção desta palavra, como aquele e aquela que são desprovidos de conhecimentos necessários para emitirem suas opiniões. Como dizia o filósofo, ensaísta, escritor iluminista francês Voltaire (1694-1778): “Preconceito é opinião sem conhecimento”. Quem age com preconceito, perde a grande chance de conhecer verdadeiramente o objeto de seu preconceito. Preconceito que nos últimos tempos se transformou na arma poderosa dos odiosos insensatos.

Jesus também enfrentou o preconceito e a discriminação. Ele não passou em branco. Preconceito racial, cultural, social, geográfico. Pelo menos é o que fica explícito na sua relação com a elite dirigente de Jerusalém no texto do evangelho de João, proposto pela liturgia de hoje. “Porventura o Messias virá da Galileia?” (Jo 7,41) Esta região que ficava ao norte da Palestina, onde se desenvolveu grande parte do ministério terreno de Jesus. É uma região estigmatizada pelo fato de ser também conhecida como terra dos pagãos. “Galileia dos gentios” (Is 9,1), Embora a sua população fosse judaica em sua grande maioria, porém devido à localização geográfica, vizinha da Fenícia e Síria, foi a porta de entrada para o contato com os pagãos.

Jesus que é acolhido pelos simples, pelos pequenos e sendo rejeitado pelos grandes e poderosos, ou por aqueles que eram enganados e manipulados pelo discurso de ódio dos grandes. Os próprios guardas do templo reconhecem Jesus como o Messias enviado afirmando: “Ninguém jamais falou como este homem”. (Jo 7, 46) Os que detêm o poder não suportam a mensagem de Jesus, porque ela põe em cheque todos os privilégios daqueles que se achavam os maiorais. Por isso, amaldiçoam o povo simples, agindo com discriminação e preconceito, buscando uma forma de prender Jesus, usando a Lei judaica como arma repressiva.

Nós também agimos movidos pelo preconceito e pela discriminação contra as pessoas em nossa sociedade. Basta ver a forma como as “pessoas em situação de rua” são vistas e tratadas por muitas das nossas comunidades “cristãs” católicas. Como os indígenas são tratados como: “preguiçosos”, “não trabalham”, “têm, muita terra”, “vivem à custa do governo”. Os acampados e assentados do MST, vistos como: “invasores de terras”, “contra a propriedade privada”, “baderneiros”. Mal sabem estes “católicos praticantes do sacramentalismo” que, 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas, advém da agricultura familiar, já que os “grandes produtores rurais”, ocupados que estão com os seus lucros fartos, produzem commodities, visando exclusivamente o mercado externo. Jesus, o Messias Galileu sim senhor! Que se dane o preconceito.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.