Sexta feira da quinta semana da quaresma. Estamos chegando ao final deste período litúrgico quaresmal. Neste próximo domingo, já celebraremos o Domingo de Ramos, tendo como referência, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, sendo acolhido pelas pessoas mais simples, os pobres. Mesmo sabendo, que em Jerusalém, sua vida corria risco, Ele marcha decididamente para o enfrentamento às forças da morte. Morte esta que não terá a última palavra, visto que Deus o descerá da cruz, para a Ressurreição da vida nova. A certeza para o seguidor de Jesus é esta: se morrermos com Ele, haveremos de também ressuscitar, uma vez que “Cristo é o primogênito entre os mortos”. (1 Coríntios 15,13-14, 17, 20).
Apesar da nossa vitória final, seguimos adiante o nosso calvário existencial. Os dias parecem difíceis e intermináveis com tantos dissabores. As contradições saltam aos olhos a partir de uma realidade marcada pela dor, pelo sofrimento, pelo ódio e indiferença. Se de um lado, estão aqueles e aquelas que estão perdendo a sua esperança diante de suas cruzes, de outro vemos uma casta de gente enriquecendo tresloucadamente, à custa da dor e sofrimento alheio. Vivemos num mundo injustamente desigual e anti-evangélico, onde uma elite impiedosa lucra a passos largos rumo a sua ruína, como previra Jesus: “Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus”. (Mt 19,23-24)
O meu amanhecer deste dia foi regido pela oração do desabafo. Volta e meia me dirijo ao meu Deus desta forma. Para isto, fiz questão de estar junto de Pedro, rezando com ele em seu túmulo modesto túmulo as margens do Araguaia. Entre uma prosa e outra com o Pai, veio-me a mente um dos clássicos de nosso cancioneiro popular eclesial: “Oração à São Francisco em forma de desabafo”, composição do nosso bispo Pedro, musicada pelo seu parceiro o padre verbita, Sirineu Kuhn. Dentro do atual contexto eclesial hierárquico, impossível não realçar uma das estrofes desta profética canção: “Nossa Madre Igreja melhorou de modo, mas tem muita cúria e carisma pouco. Frades e conventos criaram vergonha, mas é mais no jeito que por via nova. Muitos tecnocratas e poucos poetas. Muitos doutrinários e menos profetas.” Canção que nos convida necessariamente à oração.
Quanto a liturgia proposta para esta sexta feira, o Evangelho começa dando continuidade ao que havia ocorrido no dia de ontem (Jo 10,31-42). “Os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus”. (Jo 10, 31) Como era de costume, segundo a legislação judaica, para aqueles que eram considerados blasfemadores. Apedrejavam até a morte, sem dar chance alguma das pessoas se defenderem. Queriam fazer com Jesus a mesma coisa. O inocente se passando por vítima da fúria incontida daqueles que se julgavam acima da Lei. De nada adiantara a lição que Jesus havia dado a eles diante da mulher adúltera, que desejavam ardentemente apedrejá-la: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8,7)
Jesus dando testemunho autêntico de si mesmo e da verdade oriunda do Pai. Com este seu testemunho de vida, Ele si faz revelar às pessoas, levando-as a compreender que Ele nada mais fazia que a realização do projeto de Deus. Projeto este fundamentado na busca incessante do Reino. Na concretização do ideal de fazer o Reino acontecer na história humana, através de relações de amor, fraternidade, perdão, justiça e igualdade entre todos e todas. A dinâmica do Reino se fazendo realidade num novo modo de ser, agir e pensar, tendo como foco principal a vida plena para todos.
As pedras do ódio e da ignorância não terão voz e vez diante da verdade do Evangelho do poder/serviço. Os que não possuem argumentos se armam com pedras em punho, manifestando o seu ódio, na tentativa de intimidar a verdade. Jesus sendo uma ameaça para aqueles que vivem nas penumbras da morte. Embora as ações de Jesus gerassem a vida, os judeus, falando em nome de Deus, se comportavam contra o próprio Deus, querendo assassinar o seu Filho. Como seguidores e seguidoras d’Ele, temos por desafio dar continuidade às suas obras, mesmo que corramos o risco de sermos também apedrejados. “Nós, aqui na Terra, vamos mal vivendo, que a cobiça é grande e o amor pequeno.” (Pedro Casaldáliga) Como diria o britânico Benjamin Disraeli (1804-1881): “A vida é muito curta para ser pequena”. Não podemos deixar que nos apequenemos na nossa missão de fazer o Reino acontecer através de nossa ação proativa em favor da vida.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.