Terça feira da Semana Santa. Semana esta que nos coloca diante do mistério da vida e da morte. Do amor e do ódio. Da entrega confiante e da traição. Do projeto da vida e do projeto de morte. Da liberdade para um novo existir e da cegueira da escravidão que mata. Celebrar esta Semana é entrar em sintonia com o Jesus histórico, e fazer com Ele, a experiência do caminho do calvário, identificando-nos com as cruzes históricas nossas e dos marginalizados. É abraçar o mistério pascal do Cristo Ressuscitado, sendo pessoas “crísticas”, “ressurretos”, na caminhada da comunidade eclesial.
A Semana Santa jamais poderá ser uma encenação teatral em que dela participamos como meros espectadores. Definitivamente, não! Ou entramos nela como participantes ativos do processo da encarnação do Verbo, ou permaneceremos apenas como seres passivos na libertação que o Senhor veio nos trazer, por meio de sua encarnação em nossa história humana. Por mais que nas nossas comunidades eclesiais, esta seja uma experiência prática cotidiana, de pessoas espectadoras das nossas celebrações, sem se envolverem na dinamicidade da comunidade, a Semana Santa é a grande motivação para fazermos um encontro pessoal com Jesus de Nazaré, a testemunha fiel, que deu a si mesmo em resgate por todos”. (1Tm 2,6)
Amor e traição, duas palavras que não combinam. Palavras que não podem ser conjugadas juntamente, em todos os tempos verbais. Quem verdadeiramente ama não trai jamais. O ato de traição fere primeiro aquele que trai. Quem trai, trai primeiro a si mesmo, pois a nossa essência é constituída pelas coordenadas do amor. Ferir o outro com o ato de traição, fere primeiro o coração do personagem que executa tal ato. Até porque, fidelidade é questão de caráter. A beleza maior do ser humano é a essência do amor divinal pelo qual ele foi plasmado no seio do cosmos. Nascemos pelo ato sublime do amor e trazemos esta essência em nosso ser mais íntimo, como característica fundante do plano existencial de Deus, em nossa passagem por aqui.
“Um simples ato de amor é maior que o Universo físico inteiro”, já nos dizia o grande físico alemão Albert Einstein (1879-1955). Entretanto, a dor da traição é infinda. Somente quem passa pela experiência dela, é capaz de decifrá-la com todos os seus pormenores e decibéis. Foi a mesma situação experimentada por Jesus que o texto do evangelho de hoje nos apresenta (Jo 13,21-33.36-38). Jesus caminhando para o seu “Gólgota” e depara com a triste constatação, de alguém de seu grupo, que irá traí-lo. Alguém que caminhara com Ele por pelo menos três anos, mas que não foi capaz de assimilar em sua experiência de vida, o projeto libertador de Jesus. Judas Iscariotes se torna sinônimo de todo aquele e aquela que não acreditam que, na experiência de fé com a comunidade, somos capazes de promover o novo, através de gestos concretos de entrega da vida pela vida.
A longa noite da paixão de Jesus começa no dia de hoje com a traição de um de seus discípulos. Judas é o protótipo do ser ingrato, que trai a essência da vida e se precipita no abismo da morte. Alguém de nós poderia até se perguntar: como pode trair o Mestre, estando tão perto d’Ele? Esta traição é emblemática, pois também nós temos os nossos momentos de Judas, ao longo de nossas vidas. Quantas traições também já o fizemos, em nossa caminhada de fé? Todas as vezes que não acreditamos em nós mesmos, de certa maneira, estamos nos tornando traidores. Quantas vezes na comunidade, não acreditamos na luta e na defesa das causas dos pequenos? Quantas vezes usamos o nome de Deus para defender pessoas e propostas que são claramente contrarias a vida dos indefesos? O mesmo Judas que foi capaz de trair Jesus se personifica em cada atitude nossa, sobretudo quando, nas nossas incoerências, não defendemos a vida como dom maior de Deus.
Celebrar a Semana Santa é mais do que exaltar com cantos e louvores o Cristo Ressuscitado. É passar pela experiência do madeiro da cruz de cada dia. É empenharmo-nos em descer os crucificados da cruz histórica de cada dia. É ter atitude coerente com a nossa fé na pessoa de Jesus de Nazaré, superando toda forma de preconceito, discriminação, ódio e rancor, preparando o nosso coração para amar e perdoar sem medidas. Quem muito ama, faz a mesma experiência da mãe que dá a vida pelo ser amado. A traição não tem espaço no coração daqueles e daquelas que amam sem medida. Somente amando sem medida as pessoas, poderemos dizer que amamos também a Deus. Sejamos fiéis, não por achar que trair é errado, mas por valorizar o grande amor de quem está e sempre esteve ao nosso lado: Deus!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.