Quarta feira da Semana Santa. Devagar vamos caminhando rumo ao calvário de Jesus, trazendo presente em nós, nossos calvários existenciais. A riqueza litúrgica desta semana nos faz refletir o memorial e a espiritualidade da tradição cristã do martírio do Filho de Deus. Jesus de Nazaré sendo preso, torturado e assassinado pela instituição religiosa e política da Palestina, com a anuência das pessoas simples, manipuladas pela classe dirigente do Templo. Perseguido e Ferido de morte por aqueles que afirmavam agir em nome de Deus e da Lei. A sorte de Jesus sendo lançada pelos judeus como Ele, perseguido e ferido de morte pelos guardas do Templo. Como havia sido predito pelo profeta Isaías: “Ele foi maltratado, humilhado, torturado; contudo, não abriu a sua boca; agiu como um cordeiro levado ao matadouro”; (Is 53,7)
O texto do Evangelho de hoje (Mt 26,14-25) é rico em detalhes, quando Mateus, usando de toda uma simbologia, faz conexão com o passado do povo judeu, inserindo a pessoa messiânica de Jesus, estabelecendo uma nova ordem sob os desígnios de Deus. O grande ápice deste acontecimento será a Páscoa de Jesus Ressuscitado. Páscoa que nos primórdios judaicos era a “Pessach”, palavra de origem hebraica que significa “passagem”. Uma das festas religiosas judaicas mais importantes, comemorando assim a passagem da escravidão no Egito para a liberdade plena na nova morada, a Terra Prometida. Lembrando que a primeira celebração pascal aconteceu ainda no contexto da escravidão dos hebreus no Egito, por ocasião da execução da décima praga, quando o anjo da morte desceu ao Egito e matou todos os primogênitos daquela terra.
Páscoa, uma festa tradicional judaica que também se transformou na principal festa da cristandade. Só que agora com outra significância. No centro desta festa está a pessoa de Jesus de Nazaré, o Verbo encarnado que habitou entre nós (Jo 1,14). Páscoa, a festa da vida nova em Cristo. A festa da libertação de todos os projetos de morte. O martírio de Jesus inaugura um novo momento histórico libertador. A mística “Crística” de Jesus se fazendo revolucionária na ação testemunhal de seus seguidores e seguidoras, desbravando a história e incluindo os pequenos, pobres e marginalizados e desestruturando a sociedade da morte, arquitetada pelos poderosos de ontem e de hoje. “Derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes”. (Lc 1,52)!
Mesmo passando pela experiência brutal da morte, Jesus triunfou e alcançou o lugar supremo como o Cristo “Ressurreto”. A morte não tem a primazia, mas a vida que dela ressurge. Ao descer o corpo machucado de Jesus da cruz, Deus dá a última sentença: a vida prevalecerá e será triunfante. Com a sua ação transformadora entre os seus seguidores, Jesus demonstra que o esperançar de Deus renasce em todos aqueles e aquelas que se ocupam com os machucados da história. Jesus é o primogênito de Deus a vencer a morte. Ele é o verdadeiro caminho para a vida. Através da sua encarnação, histórica na humanidade, Deus, doador da vida, se manifesta inteiramente na pessoa e ação de Jesus. Desta forma, a comunidade que segue os passos de Jesus não caminha para o fracasso, pois o horizonte desta é a vida. Jesus é o esperançar de Deus. Ele não nos apresenta apenas uma utopia, mas nos convida a percorrer um caminho historicamente concreto. São as nossas ações concretas, Inspiradas nos sinais que Ele realizou, que criaremos novos sinais dentro do mundo, abrindo espaços de esperançamento e vida fraterna. De esperança em esperança, vamos fazendo o Reino acontecer.
O existir de Deus se faz plenamente na pessoa de seu Filho. Ele nos comunica esta sua intimidade com o Pai. Pai e Filho se fazendo presentes em nossa existência humana. Em Jesus todo o Universo se torna “cristificado”, como presença amorosa de Deus na realidade humana. Assim, todos nos sentimos “cristificados” pela presença da amorosidade do Verbo em nós e por nós. Resta-nos o desafio de sermos pessoas “crísticas” nas nossas relações humanas. Dar de nós aquilo que recebemos gratuitamente de Deus. Não somente com a incumbência de falar de Deus ou em nome de Deus, mas a de manifestar plenamente a presença deste Deus em nós. Dentro em breve celebraremos a ceia pascal. Nela aprendemos o gesto supremo de sermos servos para estar a serviço sempre. Nela comungaremos do pão da vida que é Jesus que se faz corpo eucarístico. Que sejamos também eucarísticos como Jesus, que se deu a todos e todas e repitamos com o apóstolo Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.” (Gl 2,20) Difícil, mas não impossível. Namastê! O Deus que há em mim saúda o Deus que há em você!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.