Outro mundo possível

Sexta feira Santa. Sexta feira maior. Sexta feira da Paixão, Morte a caminho da Ressurreição do Filho de Deus. Neste dia trazemos viva a memória crucial do julgamento, condenação e morte (sepultamento) do inocente, em nome da Lei e da “segurança nacional”. Jesus que é levado pelas autoridades religiosas judaicas do Templo e, literalmente, entregue ao Poder Romano. Os poderosos que se unem em seus planos macabros, para dar fim ao inocente, que tão somente lutou bravamente em nome da vida para todos, sobretudo para os mais fracos, pobres e abandonados. Torturado e morto, Jesus passa pela experiência da cruz como um terrível malfeitor.

Nesta sexta feira Santa damos continuidade a celebração do Tríduo Pascal: Paixão, Morte e Ressurreição d’Ele, que se entrega confiantemente ao Pai e aos seus. Segundo o relato dos Evangelhos, Jesus morre às 3 horas. Daí por diante fazemos todo um percurso que vai culminar na Ressurreição do domingo de Páscoa. Momento de reflexão para as nossas comunidades, onde as pessoas se sensibilizam com o justo sendo levado à morte, por causa da arrogância e prepotência dos poderosos. Jesus o cordeiro Pascal conduzido à morte como atesta o profeta Jeremias: “Como um cordeiro manso eu estava sendo levado para o matadouro”. (Jr 11,19) Como todo profeta, Jesus paga a sua inocência com a própria vida, uma vez que a missão do profeta provoca hostilidades e perseguição.

A vida veio ao mundo, mas este a rejeita, escolhendo viver nas sombras da morte. Quem vive nas sombras da morte não defende a vida, mas os seus interesses próprios. Ao levar Jesus à cruz, os poderosos defendem em primeiro lugar os interesses e privilégios de sua classe. A começar das lideranças religiosas, que via Jesus como uma grande ameaça às suas regalias. Poderosos que maltratam os pequenos e os mantém submissos na exploração de sua fé. Tudo isso feito em nome e a serviço de Deus. Deus e a Lei acima de tudo, inclusive da vida humana ultrajada, maltratada e perseguida. Os pobres sem vez e sem voz, só serviam para manter as benesses do sistema, através de suas contribuições.

O tempo passou e pouco mudou. Ainda hoje vemos tais “autoridades religiosas judaicas” atuando na história, em sintonia com as “autoridades políticas romanas”. Jesus ainda hoje, continua sendo entregue, julgado e condenado pelas mesmas autoridades nas pessoas dos empobrecidos. Se no tempo de Jesus, os pobres eram excluídos, marginalizados, hoje eles são “descartados”, como afirma o Papa Francisco em vários de seus escritos pontifícios. Contra esta situação é preciso vencer “a cultura do descarte que impregnou nossa maneira de nos relacionar”, diz o Papa.

Com a sua morte e ressurreição Jesus nos mostra que outro mundo é possível de ser engendrado. A vida venceu a morte, que não tem a última palavra. A última palavra é a de Deus que a fez vencedora na vida do Filho. Uma reflexão que faz sentido para o contexto atual. Vivemos sob a égide do capitalismo que impera como lei maior. E o capitalismo é cruel e fratricida. A sua face neoliberal é excludente e anti-vida. Os seus partidários são lobos vorazes, ávidos por lucros fartos, mesmo que as custa de tantas vidas ameaçadas. Jesus morre hoje nas esquinas de nossas ruas; nos corpos periféricos de pretos pobres favelados; nos corpos de crianças famintas, de pais sem teto, trabalho e renda. O capitalismo segue crucificando o mesmo Jesus na pessoa de tantos descartados, sob os nossos olhares cúmplices e complacentes, quando fazemos nosso coro insano e optamos pela aprovação da soltura de “Barrabás” e a condenação de “Jesus”. Inventamos os nossos mitos que, por sua vez, seguem matando inocentes.

Uma sexta feira triste e melancólica. O tempo é de tristeza pela morte do Rei-Messias, mas também de profunda esperança. Ao se colocar no ultimo lugar, nos porões da humanidade, Jesus se faz presente conosco. Significa que, por mais que estejamos no último patamar, no limiar de nossa encruzilhada existencial, no fundo do poço, não estamos sós. Ele é conosco. Se faz um de nós. É Deus-conosco, presente na nossa história de vida. Ele continua sendo nosso rei. Não de uma realeza semelhante à dos poderosos deste mundo. Estes outros reis exploram e oprimem o povo, enganando-o com um sistema de ideias, para esconder suas verdadeiras intenções. Eles vivem no mundo da mentira do ódio e da indiferença. Jesus, ao contrário, é o Rei que dá a vida, trazendo às pessoas o conhecimento do Deus verdadeiro. Homem divinizado pelo poder de Deus se fazendo ser humano por inteiro. O Reino trazido por Ele é o da verdade, onde a exploração dá lugar à partilha, e a opressão dá lugar à fraternidade entre todos os irmãos e irmãs. Reino de Paz e Justiça, tão desejado nos dias atuais.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.