Fora do amor não há salvação

(Chico Machado)

Quinta feira da quinta semana do tempo pascal. O frio chegou de vez. Esta foi a madrugada mais fria aqui pelas bandas do Araguaia. Se aqui está frio, ficamos imaginando como não deve estar na região Sul do Brasil. Nem o Sol foi capaz de devolver-nos o aconchego mais caloroso de seus raios. Ainda bem que o chimarrão se encarregou de aquecer as minhas entranhas, a cada gole dele sorvido. Rezei pensando, inevitavelmente, nas centenas de milhares de pessoas que estão vivendo em situação de rua neste atual contexto. Por incrível que pareça, o frio mata pessoas todos os anos no Brasil.

Meu quintal amanheceu gélido. Os menestréis da natureza não louvaram a Deus nesta manhã com os seus costumeiros acordes. Cada qual, procurando aquecer-se dentro das suas plumagens. Um silêncio monástico tomou conta de todo o ambiente. Deus se fazendo presente no silêncio e nos corpos de todos aqueles seres da criação. O silêncio se fazendo oração matinal, num louvor ensurdecedor, mostrando-nos que a vida passa necessariamente pelos ajustes do amor. Amor sem medida. Amor que conduziu meu coração em oração, fazendo sintonia com os amigos de longe e de perto. Amor afetivo, mas também efetivo. A vida se alimenta com doses homeopáticas do amor. Amar, ser e sentir-se amado. Fora do amor não há salvação!

A Igreja Católica no passado insistia no axioma eclesiológico que se tornou célebre, “fora da Igreja não há salvação” (“extra Ecclesiam nulla salus”). Tal afirmação aparece primeiramente nos primórdios do cristianismo nos escritos de São Cipriano de Cartago († 258), na obra Sobre a unidade da Igreja (n. 6 e 14), e também nas Cartas 141,5; 185,42 e 50, de Santo Agostinho († 430). Todavia, somente nos Concílios de Latrão IV (1215), Florença (1438-1445) e Vaticano II (1962-1965) que a Igreja faz referência direta a essa afirmação, digamos assim de modo oficial.

O Concilio Ecumênico Vaticano II tratou de dar uma nova significância a esta expressão que, aparentemente, nos parece pouco ecumênica. A Constituição dogmática Lumen Gentium 14, por exemplo, vai afirmar que “só Cristo é mediador e caminho de salvação. Ele se torna-nos presente no seu Corpo, que é a Igreja”. Se de um lado o Concilio afirma a necessidade da presença eclesial no processo da salvação, é também verdade que, segundo o Concílio, “em outras religiões e culturas encontramos um ‘vestígio Verbi’: vestígios da Palavra”. Dito de outra forma, Deus dá a possibilidade de salvação a todos e todas sempre. Como nos diria o apóstolo São Paulo: “Ele quer que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e as pessoas: Jesus Cristo”. (1Tm 2,4-5).

Visto desta forma, os efeitos salvíficos do Reino podem ser experimentados fora também do âmbito eclesial. Não necessariamente seja exclusividade da Igreja como passaporte para a salvação. A salvação é dom de Deus aos seus. A Igreja pode e deve ser instrumento desta salvação, mas não canal exclusivo de passagem para esta. Nosso bispo Pedro insistia que “a salvação é Dom de Deus que passa por uma proposta ‘macro-ecumênica’ que se faz presente em todas as realidades onde exista o amor”. Esta sua fala nos fazia entender que ninguém tem o certificado de garantia ou a denominação de origem da salvação de Deus. Assim pensando, talvez pudéssemos substituir o clássico axioma, “fora da Igreja não há salvação“, por outro mais apropriado, “fora do amor não há salvação”.

É exatamente este o caminho inverso que Jesus nos faz entender com o texto do evangelho da liturgia deste dia: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor”. (Jo 15,9) Amor que é dom maior de Deus e que passa pela pessoa de Jesus e chega, por intermédio deste até cada um de nós. O amor de Deus se faz presente em nós, para que produzamos frutos. Amor essência de Deus que se faz em nós e por nós. Amor como condição fundamental para a salvação de todos nós, ja que o amor é o caminho que ultrapassa a todos os dons: “O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (Cor 13, 4-7) Portanto, fora do amor não há salvação!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.