Genocídio ecocida

Quinta feira da Solenidade de Corpus Christi. Uma data significativa para a história do cristianismo. A despeito desta grande festa do Corpo e Sangue de Cristo, vivemos num período conturbado de nossa história brasileira, ao sabermos ontem da triste notícia do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Duas mortes, com requintes de crueldade, uma vez que os corpos foram esquartejados e enterrados. Mortes estas que não poderão ficar impunes, uma vez que os dois réus confessos são apenas a ponta de um grande esquema de criminalidade presente aqui na Amazônia.

O Brasil figura entre os quarto países que mais assassinam ativistas dos direitos humanos, ambientais e indigenistas. As Pessoas que defendem o meio ambiente e os povos indígenas são perseguidos e assassinados sem qualquer tipo de cerimônia. Os políticos e governantes seguem “passando a boiada” num total desmonte da política ambiental, contando com a impunidade destes graves crimes. Como se não bastasse, há uma promoção e incentivo desregrados de práticas criminosas sobre os territórios indígenas, inclusive naquelas áreas dos povos isolados. Tudo isso acontecendo com a conivência da “justiça” e os olhares complacentes de nós cidadãos. Até quando?

Um verdadeiro genocídio ecocida acontecendo no território amazônico, levando o desespero aos povos indígenas da região. Em nota publicada no dia de ontem (15), a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), “exige resposta do governo frente às mortes e à degradação no território amazônico”. Através de sua presidência a REPAM-Brasil “expressa, também, indignação com as mortes constantes de lideranças indígenas, ribeirinhas e quilombolas e com a violação dos Direitos Humanos e pede celeridade na apuração e punição dos responsáveis”. Lutar pela vida não pode ser em vão.

Como celebrar Corpus Christi em meio a tantos corpos ameaçados, torturados, crucificados? A vida segue sendo ameaçada. Os corpos de negros, indígenas, mulheres, favelados, são diuturnamente ameaçados de morte. Assassinados. Além destes, a natureza pede socorro. A floresta em pé é uma ameaça ao lucro e ao desenvolvimento de uns poucos, que insistem em dilapidar o patrimônio da vida que acontece na floresta. Como dizem os indígenas, “os brancos olham para a floresta de cima, com a ajuda de satélites, e não são capazes de enxergar as vidas que estão no interior da floresta e dependem, dela para o seu bem viver”.

Com todas estas tragédias que nos circundam, celebramos nesta quinta feira a Festa de “Corpus Christi”. Palavra de origem latina que, traduzida para o português quer dizer, Corpo e Sangue de Cristo. Festa esta celebrada sessenta dias após a Páscoa cristã, em memória da instituição da Eucaristia, feita por Jesus na quinta feira Santa. Coube ao Papa Urbano IV, no ano de 1264, afirmar que a data deveria ser numa quinta feira. Uma festa de caráter devocional, uma vez que a Eucaristia é celebrada sempre que a comunidade dos fieis se reúne para fazer o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Lembrando que na Eucaristia acontece a “transubstanciação”, ou seja, a presença real de Cristo que se deu por inteiro aos seus: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. (1Cor 11,23-24) Texto escrito por volta do ano 56 da era cristã, narrando a celebração eucarística, onde a comunidade, depois da ceia eucarística, repartia os alimentos que cada um levava consigo, da mesma forma como fazemos nos encontros das nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Participar da Eucaristia não se trata de uma obrigação que faz parte da devoção. Nem sacrifício ou dever a ser cumprido. Quando Jesus se dá como Pão, significa que Ele é o alimento que sustenta a vida de todos os que nele creem. Este Pão é o sustento da vida da comunidade. O sangue, na compreensão judaica, representava a vida (Deus). Pão e vinho, corpo e sangue comungados como compromisso de fazer da vida doação pela vida de todos. Comungar do Corpo Eucarístico de Jesus no altar é comungar com todos os demais corpos no altar da vida, que estão sendo mutilados na história humana. Nenhum de nós comunga deste Pão para se isolar no seu mundinho a parte, sem estabelecer o compromisso de lutar para que os demais corpos tenham a vida com dignidade. Por este motivo, não cabe ao bispo, padre ou ministro da Eucaristia, negar a comunhão a quem quer que seja como se fossem fiscais do Sacramento. Como bem afirmou o Papa Francisco: “Eu nunca recusei a Eucaristia a ninguém. A comunhão não é um prêmio para os perfeitos. Ela é um dom, um presente, é a presença de Jesus na Igreja e na comunidade”. “O Corpo do meu Senhor, é força viva de paz!” (Zé Vicente)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.