A cruz de todo dia

Décimo segundo domingo do tempo comum. Penúltimo domingo do mês de junho. Pouco menos de um mês nos separam da nossa “Romaria dos Mártires da Caminhada” (16 e 17 de julho). Romaria esta que neste ano traremos presente a memória dos 46 anos do martírio do padre João Bosco Penido Burnier. Aproveitando do ensejo, também faremos memória do nosso bispo Pedro. Ocasião em que vamos cobrar das autoridades o rigor na apuração de quem mandou matar Dom e Bruno. Ribeirão Cascalheira que nos aguarde, com todos os cuidados possíveis, pois a pandemia ainda não partiu do meio de nós.

Nesta semana tivemos uma notícia alvissareira. Felizmente não teremos a nossa “Temporada de Praia”. Depois dos escândalos dos “sertanojos”, o Ministério Público bloqueou os recursos que seriam gastos com a farra destas músicas de péssima qualidade, a custos altíssimos. Chamam-na também de “Sertanejo Universitário”. Que me perdoem os adeptos destas “canções”, mas de duas uma: ou estas “músicas” melhoraram muito na sua qualidade, ou os universitários é que recaíram mesmo. Sem a tal temporada, teremos como preservar mais o Araguaia, pois os turistas vão embora deixando para trás um rastro de sujeira e degradação ambiental.

Domingo é dia de festa. Dia do Senhor. Dia de estar com a família numa convivência mais festiva. Celebrei nesta manhã com uma de nossas comunidades mais pobres: Santo Agostinho. Povo humilde e simples em todos os sentidos. Se a comunidade se chamasse São Francisco de Assis, não seria nenhuma ofensa ao bispo de Hipona. Celebrar com este povo é fazer a mesma experiência de Jesus na sua passagem pela Galileia, estando no meio dos mais lascados. Inserção maior impossível. Estar nesta comunidade é também lembrar daquilo que Agostinho já disse: “Não adianta ficar perto da luz com os olhos fechados. Você aspira a grandes coisas? Comece com os mais pequenos”.

Experiência de vida de oração que a liturgia deste domingo nos traz de um Jesus que também estava rezando num lugar retirado com os seus. O Evangelho da vez é o de Lucas. Naquele contexto, quis o mestre fazer um apanhado de como as pessoas o estava vendo na sua missão no meio delas: “Quem diz o povo que eu sou?” (Lc 9,18) Isto feito, diante das respostas espontâneas dos seus seguidores (João Batista, Elias, algum profesta antigo), Jesus se volta para eles e os inquire diretamente, olho no olho: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc 9,20). Uma pergunta enigmática feita aos discípulos, mas que também avançou no tempo histórico, uma vez que ela é feita a cada um e cada uma daqueles e daquelas que seguem a Jesus: quem é afinal Jesus para você? Como o vemos hoje na nossa história de vida?

Uma pergunta de difícil resposta. Uma pergunta que não se responde apenas com palavras de efeito, mas com a própria vida, uma vez que, não basta dar uma de “Pedro” e declarar e aceitar que Jesus é o Messias. É preciso antes, ter a ideia de como este “Ser Messias”, incide sobre a nossa prática de fé no cotidiano de nossas vidas. Muitos até vão às Igrejas e ali “adoram” este Jesus Messias. Saindo dali, pouco se importam com a vida dos Messias que estão sendo crucificados ou marginalizados pela nossa sociedade. Dizer que Jesus é o Messias, o Filho do Deus vivo, é encontrarmo-nos com este mesmo Jesus na pessoa dos que mais sofrem ao nosso lado. Quanto a isso, Jesus nos dá uma dica de como lidar nestas ocasiões: “Eu garanto a vocês, todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. (Mt25,40)

Seguir a Jesus é abraçar a cruz de cada dia. E aqui não se trata daquela cruz imposta a Jesus pelos religiosos de seu tempo em conluio com o poderio romano. Aquela cruz era símbolo de castigo, instrumento de tortura usada pelos romanos contra aqueles que contrariavam o seu domínio. A cruz de que fala Jesus é a cruz do compromisso, da vida que é doada pelas causas dos pequenos. Cruz vivida a partir de uma causa: o Reino. Cruz que vem do grego, “staurós” e que significa: estar pronto, preparado, firme, de quem é capaz de ser fiel até o fim. Estar de prontidão. De pé, como costumava nos dizer o nosso bispo Pedro diante das ameaças que sofria em vida cotidianamente: “Se me matarem, me matarão de pé”. Aos que fizerem opção de caminhar com Jesus teremos que acompanhá-lo na sua ação messiânica, percorrendo o caminho semelhante ao seu: renunciando a nos mesmos e às glórias do poder e da riqueza e, sobretudo, de uma Igreja clericalista e piramidal.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.