Domingo da Solenidade de Pedro e Paulo. Festa das duas principais colunas da Igreja Católica. Cada qual a seu modo, Pedro e Paulo souberam abraçar a fé no Cristo Ressuscitado, sendo testemunhas fieis na caminhada de Igreja que nascia ali com os primeiros seguidores do Mestre. Entre os muitos caminhos que se abrem aquele que Jesus caminha conosco é, sem dúvida, o único viável. Esta foi a experiência marcante destes dois personagens eclesiais históricos. Vidas que se deram em martírio pelas causas do Reino. Vidas pela vida! Vidas pelo Reino! Quantas vidas valem uma vida?
O domingo acordou muito cedo para mim. Senti-me na pele do cantor e compositor Gonzaguinha e a sua canção, “Explode Coração”. O meu ser com a penumbra da madrugada cantarolava no meu intimo o verso: “Como se fosse o sol desvirginando a madrugada. Quero sentir a dor dessa manhã”. Apesar da beleza do dia sendo prenunciado no horizonte visual, senti presente em mim a dor da distante Eliene, com os seus familiares, experimentando na pele um calvário de dor num leito hospitalar, diante do mistério dos “tumores da vida”. A dor que dói no outro e que se faz tão presente em nós, abrindo as nossas vísceras. Confesso que eu queria fazer como o cantor mineiro Vander Lee em uma de suas canções: “morar no interior do meu interior…” https://www.youtube.com/watch?v=19OaxjeKkvo
Mas o domingo é o dia da alegria! Alegria de estar vivo, encerrar o ciclo de uma semana que passou e abrir o horizonte da outra que se descortina como perspectiva de futuro. Estar vivos é uma grande vitória. Dádiva do Criador, razão pela qual devemos todos agradecer. Por mais que a rotina diária nos afaste desta perspectiva, acordar todas as manhãs é o presente maior que Deus nos dá, apostando todas as suas fichas em cada um de nós, e no que somos capazes de fazer e transformar. Se somos criaturas arquitetadas por Deus, é verdade também que somos artífices de seu projeto que vamos edificando na história. Cada um e cada uma somos imprescindíveis neste processo de fazer acontecer no hoje da história o Reino pensado por Deus. Reino de paz e de justiça. Reino de vida para todos. Reino da vida partilhada.
Como cristãos, Jesus é a força motriz que move o nosso ser. Somos o que somos com todo o histórico que vamos construindo pelas estradas da vida. Somos os sonhos que acalentamos no nosso interior. Como dizia os Engenheiros do Hawaii: “Somos quem podemos ser. Sonhos que podemos ter”. Não estivemos juntos com o Jesus histórico da Palestina, mas somos seguidores do Jesus da fé, o Cristo Ressuscitado. Ele é a nossa força viva para vencer os desafios que a vida nos coloca no caminho. Um Deus que se faz presente no Filho e que nos abrem os olhos e coração para enxergar os outros “Jesuses” nos corpos feridos, maltratados, abandonados que passam pelas nossas vidas. “Quero ver no meu irmão a imagem d’Ele”.
“Quem sou Eu”? Esta é a pergunta lapidar que Jesus faz aos seus discípulos. Como as pessoas vêem a atuação deste Jesus no meio delas? Como estas mesmas pessoas estão vendo a revelação do Verbo? Perguntas que ultrapassam o tempo histórico e chegam também a cada um de nós: como vemos este Jesus? Como enxergamos o projeto que Ele representa em vida no meio de nós? Qual é o rosto de Deus que Jesus revela a cada um de nós? Como esta ação de Deus em Jesus acontece na minha vida de fé? Perguntas que nos são feitas a cada dia, a cada momento, e de difícil resposta, pois respondê-las, significa colocar a vida em jogo. Responder a tais perguntas requer que estejamos dispostos a fazer da nossa vida uma entrega total no seguimento d’Ele.
Neste sentido, a ação messiânica de Jesus consiste em criar um mundo plenamente humano, onde tudo é de todos e repartido entre todos. Mundo partilhado.
Alem de celebrarmos hoje a festa de Pedro e Paulo, a liturgia também nos dá os primeiros acordes acerca do que viria a ser a “Ekklesia”. Se “Eclésia” era a principal assembleia da democracia ateniense na Grécia Antiga, o primeiro termo trata do “chamado para fora”, que foi designado para se referir a Igreja como célula viva da presença do Ressuscitado. Ou seja, os primeiros seguidores de Jesus foram chamados a saírem para fora, e encontrar o outro lá onde ele se encontrava. Esta é a propositura de Jesus enquanto caminhada de Igreja seguindo os seus passos. Uma Igreja para além dos muros institucionais, sacramentais e dogmáticos. Igreja que se faz presente encarnada na historia de vida dos sofredores. Igreja esta que o Papa Francisco assim a definiu: “A Igreja que vai impactar o mundo, não é a que você está indo. É a que você está sendo”. Igreja como semente de um novo esperançar de Deus.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.