As fronteiras do amor

Décimo quinto domingo do tempo comum. Um terço do mês de julho está acontecendo neste domingo. Um dia especial de festa em família. Celebrar com aqueles que nos são mais próximos. O sangue familiar que corre nas veias de cada um dos entes, faz com que possamos exaltar a graça de fazer parte de uma família, lugar sagrado da vivência mais estreita do amor. Na família, as fronteiras do amor são superadas, pois o que vale mesmo é a convivência fraterna dos laços que unem cada um dos entes. A experiência do amor em família é a mesma que fazemos em relação ao Criador, fazendo desta, uma extensão da presença de amorosidade d’Ele em nós. Na família, as teorias teológicas do amor se tornam práticas visíveis nas relações.

Dia 10 de julho. Nesta data, comemoramos o Dia Mundial da Lei. Iniciativa dos Estados Unidos que, em 1958, pensou na ideia de se ter uma data para lembrarmos-nos da norma. Ideia esta que foi assumida em 1965 pelas demais nações do mundo, estabelecendo assim o dia 10 de julho como o Dia Mundial de Lei. Lei vista teoricamente como um conjunto de ordenamento jurídico, feitas para serem cumpridas pela sociedade, sempre acompanhada pelo critério da justiça, como forma de estabelecer princípios normativos, objetivando a melhor convivência em sociedade. Todavia, o grande problema é que, diante deste ordenamento jurídico que compõe a Lei, alguns dentre nós, são mais iguais que outros, sobretudo por causa de sua condição financeira. Mais do que cega, as determinações jurídicas da Lei são pagas.

Curiosamente, por falar em Lei, este é o grande questionamento que a liturgia deste décimo quinto domingo nos traz. Mais uma vez vemos Jesus às voltas com os mestres e doutores da Lei, que sempre procuraram colocar o Nazareno em situações embaraçosas, perante o cumprimento sistemático da Lei. Vale lembrar que os doutores da Lei do tempo de Jesus eram os judeus versados na Lei religiosa de Israel e responsáveis por interpretá-la “ao pé da letra”. Geralmente estes entendidos da Lei, estavam associados ao partido dos fariseus. Eram extremamente rigorosos no cumprimento da Lei, tanto que tinham cerca de 613 preceitos, criados por eles para fazer o enquadramento da Lei. Seguiam piamente o adágio latino: “dura lex sed Lex” – “a lei é dura, porém é a lei”.

Neste contexto, eles querem saber de Jesus qual era a forma mais adequada de se alcançar a vida eterna. Ao que Jesus lhes indaga: “O que está escrito na Lei? Como lês?” (Lc 10,26) Como bom entendedor da Lei, aquele homem responde corretamente: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!” (Lc 10,27). Porem, como exímio cumpridor da Lei, faltava-lhe o principal: ter o entendimento de quem era, de fato, o próximo daquele letrado na Lei. Jesus o faz entender que não é a pessoa humana que é feita para a Lei, mas o contrário. A vida humana é que está em primeiro plano.

O mais importante não é a existência da Lei, mas a pessoa humana com todas as suas especificidades. Antes de ver a Lei, é necessário enxergar o ser humano com todas as suas necessidades vitais. O critério primeiro do cumprimento da Lei é o amor. Neste sentido, necessário se faz que todas as barreiras sejam suplantadas para se chegar à pessoa humana: as barreiras do legalismo; as barreiras da indiferença e do comodismo; as barreiras do ódio e da omissão; as barreiras do status social; as barreiras da desigualdade social; as barreiras do preconceito. Tudo isso no intuito de realçar a vida humana que está presente na essência da pessoa, do Ser enquanto Ser. Como concluiu Friedrich Nietzsche: Tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo”.

Como fez o samaritano contado hoje pela parábola pedagógica de Jesus no texto do Evangelho de hoje. Este samaritano foi capaz de conjugar quatro verbos no presente do indicativo: aproximar, ver, sentir e cuidar. Aproximou, enxergou a situação do pobre homem caído a beira do caminho, sentiu compaixão dele e buscou os cuidados necessários para tirá-lo daquela situação difícil. O samaritano mostra que próximo é aquele que se aproxima do outro: física, emocional e praticamente, dando respostas satisfatórias às necessidades dos caídos na estrada da vida. Quem se aproxima do próximo não vê limites para a prática do amor. Ultrapassa todas as fronteiras de raça, religião, classe social, preconceito, pois o seu coração está recheado de puro amor. Diante deste ensinamento de Jesus, através da figura de um samaritano, ficamos nos perguntando: quem é afinal o nosso próximo? O que fazemos de concreto para nos tornarmos próximos do outro caído? Em nossas relações cotidianas, também somos capazes de conjugar estes quatro verbos: aproximar, enxergar, sentir e cuidar? Qual é o grau de misericórdia que trazemos no interior de nosso coração? Ou somos meros cumpridores de preceitos como os mestres e doutores da Lei?

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.