Ver, ouvir e sentir

Terça feira da décima sétima semana do tempo comum. Estamos vivendo a última semana do mês de julho. Festa de São Joaquim e Sant’Ana, considerados os avós de Jesus, apesar do texto bíblico não fazer referência à eles desta forma. A Igreja aproveita da oportunidade para fazer memória dos nossos avós com esta comemoração do dia de hoje. Quem não se lembra da participação afetiva carinhosa dos nossos avós num determinado período de nossa saudosa infância?

Memória se faz na história. Uma semana que não podemos jamais nos esquecermos do martírio do padre Ezequiel Ramin, ocorrido no dia 24 de julho de 1985, em Cacoal, Rondônia. Aos 33 anos, padre Ezequiel foi assassinado por causa de sua luta incansável em defesa dos pobres, indígenas e Sem-Terra de Rondônia. Um seguidor fiel com o coração aberto de Jesus e o “cheiro das ovelhas”, como nos lembra o Papa Francisco. A Congregação dos padres Combonianos perdeu um de seus jovens membros, e a Igreja Povo de Deus, irrigou a sua luta com o sangue deste Mártir da Caminhada. Ezequiel, presente!

O sangue indígena também irriga o chão sagrado das nossas lutas. Bem fez Francisco, em sua recente visita aos Povos Indígenas do Canadá. Tratou logo de pedir perdão pela trágica atuação da Igreja na sua ação equivocada junto com os colonizadores, massacrando os Povos Originários: “Estou aqui para pedir perdão pelas formas em que muitos cristãos, infelizmente, apoiaram a mentalidade colonizadora das potências que oprimiram os povos indígenas”. Esse Papa é dos nossos. Este não só tem o cheiro das ovelhas, mas também se identifica profundamente com as causas das “ovelhas perdidas da casa de Israel”. (Mt 10,6)

Ver e ouvir. Duas possibilidades de manifestação do nosso ser neste mundo. Dois sentidos que cabem em nós, mas que precisam ser direcionados para um bom enxergar e ouvir a realidade externa a nós. Não basta ver a realidade. É necessário um mergulhar mais profundo, para enxergá-la a partir de dentro. Da mesma forma que o ouvir, requer uma escuta atenta das vozes, para que estas cheguem ao nosso interior. Enxergar com os olhos da alma e ouvir sob a perspectiva do coração, até porque, é de dentro dele que devem sair às decisões que nos colocam em sintonia proativa com a realidade vista e escutada.

A liturgia desta terça é profundamente significativa neste sentido. Matheus nos traz uma fala curta de Jesus à seus seguidores. São apenas dois versículos, numa linguagem direta e objetiva àqueles e àquelas que fazem a sua adesão ao Projeto de Deus: “Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem.” (Mt 13,16) Mais do que ver e ouvir a manifestação plena de Deus na pessoa de seu Filho, urge exercer esta mesma dinâmica enxergando e escutando o Deus que se faz presente nos pequenos e marginalizados. (Mt 25,40)

Ser uma Igreja que escuta o clamor que vem dos pobres e oprimidos e faz a sua caminhada eclesial em sintonia com as causas destes. Igreja pobre com os pobres e para os pobres. Como fez a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), a partir da Conferência Episcopal de Medellín (1968). Por este profetismo ali retomado, nosso bispo Pedro afirmava que Medellín foi nosso segundo Pentecostes”.

Igreja atenta ao clamor dos pobres. Certamente, o evangelista Mateus tenha se inspirado na experiência do povo de Israel no processo de libertação da escravização no Egito, quando o Senhor claramente assim se expressa: «Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conherço os seus sofrimentos”. (Ex 3,7). Deus que vê e ouve o clamor do povo sofredor e desce para o libertar. Um Deus comprometido com o seu povo sempre. Por mais difíceis que sejam os dias atuais, não podemos perder a coragem e o desejo esperançoso de dias melhores, pois o Senhor é conosco.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.