O Reino como conquista

Quarta feira da décima sétima semana do tempo comum. O mês de julho de tantas conquistas e fatos marcantes, dando as suas últimas cartas. Para nós da Prelazia de São Félix do Araguaia, um mês especialíssimo, pois depois de seis anos, realizamos a nossa Romaria dos Mártires da Caminhada. Em meio ao caos governamental, a esperança renascida na luta por outro Brasil que não este aí.

Esperança esperançosa do fazer acontecer com as “Lutas Marielle”. Aliás, hoje seria o dia de seu aniversário. Se ainda viva fisicamente entre nós, Marielle Franco estaria comemorando seus 43 anos juvenis. Uma bala certeira feriu de morte o corpo feminista, interrompendo o sonho Marielle. O seu sangue escorrido no asfalto, virou semente de sonhos e de esperança de novas lutas Marielles. Ainda trazemos na garganta o grito incontido: quem mandou matar Marielle? Marielle vive, pulsando nas veias de cada um de nós, uma vida Marielle, desejos de que a justiça seja feita com todas as suas letras.

As mulheres e suas vidas Marielle. Vivemos num país machista de fortes raízes patriarcais institucionalizadas. Isto nos faz conviver com uma cruel estatística cotidiana de violência estigmatizada contra as mulheres. Somos o quinto país com maior índice de homicídios de mulheres. Um feminicídio mesclado de assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros e até pelos familiares. Que país é este (?), já bradava Cazuza em uma de suas canções.

A voz da justiça ecoa dentro de nós. Justiça que está impregnada no Reino de Deus. Reino e Justiça, duas realidades intrínsecas. Reino de Paz e Justiça. Reino de Amor e Verdade. Reino que é a tônica principal da liturgia desta quarta feira. Enquanto vou aqui driblando o frio desta cidade paulistana, arrisco rabiscar na tela do celular, contrariando as intervenções deste terrível, inoportuno e inconveniente corretor. Mas a busca pelo Reino fala mais alto dentro de mim, oportunizando assim chegar às pessoas mais distantes com os meus rabiscos. Justiça como medida do Reino. Justiça na medida certa.

No entender de Jesus, o Reino de Deus é uma conquista. “Reino dos céus” na linguagem da comunidade de Mateus. Tudo porque ele estava se dirigindo à comunidade dos judeus e, por este motivo, talvez evitasse a expressão “Reino de Deus”. Hoje, mais uma vez, Jesus faz uso da linguagem parabólica, no intuito de tonar mais próximo e compreensível uma realidade mais complexa. Jesus fazendo chegar às pessoas mais simples a realidade do Reino que já estava presente dentro delas, mas que precisava de uma busca para torná-lo uma conquista. Reino que já está presente e ao mesmo tempo, não: “o Reino de Deus está no meio de vós”. (Lc 11, 20)

“Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33), aconselha Jesus aos seus. Nesta perspectiva, o Reino precisa se tornar o “objeto de consumo” de todos aqueles e àquelas que trilham nas mesmas pegadas de Jesus. Algo a ser buscado com afinco: sonhado, desejado, almejado. Uma conquista de cada dia de nossas vidas. Sair da escuridão da noite para alcançar na luz do dia, o alvorecer do Reino que brota de nossas entranhas e se torna realidade pura nas ações que vamos realizando nos compromissos com a vida. Reino que se faz construção na ação libertadora com o Mestre Jesus de Nazaré.

Fazer parte do discipulado de Jesus exige uma adesão pessoal ao seu projeto. Uma decisão tomada por inteiro. Nada de apegar às estruturas das instituições religiosas, escondendo atrás delas, evitando assim o enfrentamento da realidade que acontece no chão da vida com os pobres, em forma de compromisso libertador. Para entrar no Reino é necessária decisão total. Na feitura do Reino não há lugar para os “imitadores de Jesus”, mas para aqueles e àquelas que buscam trazer em si a mesma fé de Jesus. Não ter “fé em Jesus”, mas ter a mesma fé d’Ele. Este é o nosso maior desafio. É desta forma que você se vê?

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.