Servir para servir

Segunda feira da décima sétima semana do tempo comum. A semana inicia em clima de festa. A Igreja celebra hoje a festa de São Tiago Maior, considerando o primeiro apóstolo mártir da História da Igreja. Um dos primeiros a serem chamados pelo Mestre, ao lado de Pedro e André, para fazerem parte de seu discipulado. Natural da Galileia, era irmão do Evangelista São João. Um pobre pescador como os demais.

Ainda estou na companhia dos paulistanos. Meu dia começou bastante cedo, onde fui rezar com o padre Júlio Lancellotti na igrejinha de São Miguel Arcanjo. Celebrar o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição do companheiro Jesus de Nazaré, é fazer a Eucaristia acontecer no esperançar da história. Mais do que um rito solene mecânico de um preceito sacramental, é revitalizar o dia na perspectiva do Reino que vai acontecendo na caminhada, na companhia da Testemunha Fiel. Deus que renova todas as coisas e nos faz partícipes de seu Projeto de amor.

Depois da celebração, fomos servir o café da manhã para as pessoas em situação de rua, como a equipe do padre Júlio sempre faz. Centenas de pessoas passando pela fila para ter a sua primeira refeição do dia: uma banana, um pão e um achocolatado quentinho, aquecendo as barrigas vazias daquelas pessoas e seus olhares perdidos no horizonte. Uma realidade que eu não tinha visto assim tão de perto e que me deu um tremendo soco no estômago, diante de uma sociedade do anonimato, que corre veloz rumo ao trabalho do dia.

Meu olhar indigenista se misturou à muitos daqueles olhares desprovidos da perspectiva do esperançamento. Da convivência com os indígenas, nestes 30 anos, se aprende a ter os olhos como a “janela da alma”. Olhar no olhar e sentir no coração a história de vida que cada um daqueles corpos machucados trazem dentro de si. Corpos maltratados e crucificados por um sistema de morte, que não tem a vida como horizonte primeiro de sua perspectiva. Um sistema que não serve para servir, como sonho de realização para estes descartados.

Quem não vive para servir, não serve para viver. Esta é a grande perspectiva que Jesus nos traz no texto do Evangelho, apresentado pela liturgia desta segunda feira: “Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor”. (Mt 20,26) O servir está presente na espinha dorsal do discipulado de Jesus: chamados e chamadas a servir sempre. Nada de privilégios. Ser e estar com Jesus, tem como condição fundante a disponibilidade de colocar a vida à serviço. Vida doada a exaustão pelas causas do Reino, pelas causas de Jesus. Nada de statos social, benesses e condições privilegiadas. Servir como servos das causas do Reino. Vida que é doada na mesma perspectiva Lucana: “quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: Somos empregados inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. (Lc 17, 10)

Igreja samaritana, servidora das causas dos pequenos. Vidas doadas no caminhar da história. Estamos muito distantes desta proposta de Jesus, de pessoas que usam os seus cargos e proximidade com as lideranças religiosas para angariar destaques e privilégios de classe social. Igreja que perde o encanto do serviço gratuito e amoroso do Evangelho. Igreja cujos ritos e vestimentas rendadas e granfinas, se afasta cada vez mais do submundo dos empobrecidos e suas causas vitais. Igreja que não vive para servir não serve para viver, muito menos como Igreja de Jesus de Nazaré. Igreja do serviço para uma nova sociedade, cuja autoridade não se faz com exercício de poder, mas na qualificação para o serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum de todos, “pois, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos”. (Mt 20, 28)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.