Terça feira da décima oitava semana do tempo comum. O mês de agosto vai dando as suas coordenadas: sequidão, Vento poeira e fumaça. Apesar das noites serem ainda frescas, o dia é consumido pelo forte calor. Nenhuma nuvenzinha no céu. Durante o dia, somos agraciados com uns três sóis para cada um. Do outro lado do Araguaia a Ilha do Bananal segue sendo consumida em chamas. Fogo criminoso colocado pelos criadores de gado que queimam o pasto para que brote outro em seu lugar. Há anos convivemos com esta tragédia anunciada, sem que as autoridades façam algo para combater tais crimes ambientais. Ainda nos fazem de idiotas, tentando nos convencer de que se trata de “fogo controlado”.
Meu dia amanheceu muito cedo. Estava já com saudades de meus ilustres visitantes que vem acordar o dia em meu quintal. Rezei nesta manhã em meio à fumaça e na companhia das araras azuis, que fugiram da Ilha e refugiaram em nossos quintais. Um bando delas fazendo algazarra, degustando dos poucos frutos que ainda restam nesta etapa do ano. Um buriti aqui, um açaí acolá, assim elas vão fazendo o “café da manhã”. Salmodiamos juntos a presença de Deus na Mãe Natureza se fazendo encarnação do Verbo em cada um dos seres vivos, nos deixando ser conduzidos pela força sobrenatural da vida. A natureza é sábia e muito nos ensina, apesar do nosso coração ainda permanecer enrijecido.
Para a Igreja, o mês de agosto é dedicado às vocações. Entretanto, para os povos originários, este é o mês da Pachamama. O primeiro dia de agosto é dedicado à divindade máxima dos povos originários andinos, a Pachamama. Ao contrário de grande parte das religiões, esta é uma divindade feminina que está diretamente relacionada à Fertilidade e a terra. A boa colheita tem tudo a ver com esta divindade. Talvez, por este motivo, nas muitas etnias, a tarefa de fazer a colheita cabe a mulher, pois assim sendo, colhidos por elas, os frutos são mais saborosos. Além do que, segundo eles, pelo fato da mulher ser geradora da semente no ventre materno, é ela quem sabe melhor colher os frutos da terra. Faz sentido. Sabedoria milenar.
“Terra, és o mais bonito dos planetas. Tão te maltratando por dinheiro. Tu que és a nave nossa irmã”, assim cantam os compositores mineiros Beto Guedes e Ronaldo Bastos em uma de suas belas canções. Somos filhos da terra e mesmo assim a maltratamos. Tudo por causa da nossa ganância e avidez. Por onde passamos deixamos um rastro de destruição e morte. Tudo o que a natureza quer é viver para nos fazer felizes, como assim traduziu o Papa Francisco nestas suas palavras: “Os rios não bebem sua própria água; as arvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”. A natureza se fazendo em vida doada para todos nós.
Ser feliz é tudo o que se quer. Nenhum de nós vem a este mundo para não ser feliz. Ao cria-nos à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), Deus nos projeta livres para amar, viver e ser plenos de luzes. Realizar os nossos sonhos faz parte do sonho de Deus para nós. A plenitude da vida está contida no projeto de Deus para a nossa existência, sem medo de sermos felizes. O medo não está contido no sonho de Deus para nós. É exatamente isto que a liturgia desta terça feira tenta nos alertar, para que não caiamos na tentação de deixar que o medo tome conta dos nossos sonhos: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14, 27) Com Jesus sempre por perto, devemos ter a coragem de não ter medo. Ao sermos dominados pelo medo, damos mostras de não termos uma fé consistente e convincente. Uma fé que nos faça crer que Ele está conosco e é um de nós: “Eis que estarei com vocês todos os dias até o fim dos tempos”. (Mt 28, 20)
“O contrario da fé não é a dúvida, mas o medo”, dizia-nos frequentemente nosso bispo Pedro. O medo paralisa as ações, intimida. A fé de um, se juntando com a fé dos outros nossos irmãos, nos dá firmeza para continuar na luta da caminhada. Um mais um é sempre mais que dois. Fomos criados para viver em sintonia de fé, esperança e teimosia. Um fortalecendo o outro rumo aos objetivos comuns. A alegria de caminhar juntos nos faz comunhão. Vida que se faz doação. Como diz o Papa Francisco, “não devemos ter medo da ternura e da bondade”. O Filho de Deus é presença viva em nossas vidas. Com Ele, somos e podemos. Ademais, “ser cristão não se reduz a cumprir mandamentos, mas a deixar que Cristo tome posse da nossa vida e a transforme”. (Papa Francisco) Sem medo de ser feliz, com a coragem de não ter medo.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.