O martírio no itinerário da fé

Quarta feira da décima nona semana do tempo comum. No dia de hoje a Igreja celebra a festa de São Lourenço (225-258). Lourenço foi um diácono da Igreja primitiva de Roma, de descendência espanhola. Teve a sua atuação destacada na primeira metade do século terceiro da era cristã, e foi martirizado por ordem do imperador Valeriano I, que também decapitou o Papa Sisto II, juntamente com seu amigo Lourenço, que foi queimado numa grelha, segundo relatos de Santo Ambrósio, no dia 10 de agosto. Lembrando que os primeiros anos do cristianismo foram terríveis para os seguidores de Jesus, que eram sistematicamente perseguidos pelo poder imperial. O martírio no itinerário da fé do discipulado de Jesus.

Ser seguidor de Jesus de Nazaré era sinônimo de perseguição. Os ideais de Jesus sendo perpassados por aqueles e aquelas que faziam adesão ao seu projeto, sabiam que a vida estava marcada. Marcados para morrer. Muitos adeptos do cristianismo da Igreja primitiva tombaram na luta, por defenderem o projeto de vida revelado por aquele certo Galileu. Mataram a Jesus e também aos que com Ele continuaram na missão de levar adiante o Projeto de Deus. O martírio como a marca do itinerário de fé dos cristãos, de pessoas que não se calaram diante das injustiças. Martírio que na concepção do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) assim definiu: “O silêncio é o maior dos martírios; nunca os santos se calaram”.”

Somos parte de uma Igreja que nasceu no berço do martírio. As primeiras comunidades cristãs vivenciaram na pele o que era ser parte do discipulado de Jesus. O sangue derramado de Jesus na cruz se fez sangue sacrificado no altar da vida humana. O sistema opressor que levou Jesus à cruz é o mesmo que crucifica os pequenos e marginalizados nos dias de hoje. Ser seguidor deste Jesus é estarmos preparados para descer da cruz os marginalizados, devolvendo-lhes a vida. Pena que uma parte dos seguidores de Jesus ainda não entendeu este carisma e, ao contrario, trabalham na domesticação de uma fé alienada, através de um sacramentalismo doentio, que não se encarna na realidade humana dos sofredores, e ainda cultuam o “Deus acima de tudo”.

Morrer pelas causas da vida. Vidas pela vida! Vidas pelo Reino! Quem fez a experiência de passar alguns momentos, rezando no interior do Santuário dos Mártires da Caminhada em nossa Romaria, em Ribeirão Cascalheira, sabe que dali emana uma energia vital. Pessoas que deram a vida pelo Reino. Martírio como semente das nossas lutas do esperançar das utopias do Reino, insuflando-nos a continuar lutando. Recarregar as energias e estarmos prontos para dar continuidade ao sonho de Deus revelado por Jesus de Nazaré: “Eu vim para que todos tenham vida e vida plenamente”. (Jo 10,10). Santo Oscar Romeiro, Irmã Dorothy, Santo Dias, Bruno e Dom, nosso bispo Pedro, presentes em nossas lutas por outro Brasil que não este aí!

Excepcionalmente no dia de hoje, a liturgia não nos traz o texto do Evangelho de Mateus, como vínhamos fazendo. Quem se faz presente hoje é o evangelista São João. Um Evangelho diferente dos três primeiros sinóticos. João se ocupa em trazer para nós como se fosse uma espécie de catequese, uma meditação, despertando-nos para que possamos alimentar a nossa fé em Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, a fim de que possamos fazer a nossa opção pela vida em todos os sentidos. A preocupação primeira de João é mostrar a face de Jesus como o enviado de Deus, aquele que revela o Pai às pessoas. Um Deus que nos ama apaixonadamente e quer dar-nos a vida. Um Jesus que revela esse amor e realiza a vontade do Pai, dando sua vida em favor das pessoas.

Vida doada. Vida que se faz serviço na doação total de quem se entrega sem reservas. Vida como a semente de trigo: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto”. (Jo 12, 24) Grão de trigo como semente de esperança de vida. Passar pela experiência da morte para ser gerador de vida nos frutos da semente. Semente martirial que faz nascer a vida e desabrochar novos frutos. Frutos de vida nova, regada no esperançar do Ressuscitado. Semente do martírio de uma vida nova que ressurge no renascer das cinzas que o cartunista mineiro Henfil (1944-1988) tão bem sintetizou: “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente”. Vida como martírio de esperança pelas causas do Reino. Vida que não é doada é semente estragada.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.