Entre o sim e o não

Segunda feira da vigésima primeira semana do tempo comum. A Igreja está em festa. Celebramos hoje a Solenidade de Nossa Senhora Rainha. Apesar de ser uma festa celebrada desde os primeiros séculos da caminhada da Igreja, foi o Pio XII, que instituiu a festa de Santa Maria Rainha, através da carta encíclica Ad Caeli Reginam, no dia 11 de outubro do ano de 1954, quatro anos depois de também criar o dogma da Assunção de Maria de Nazaré. Se o seu Filho é o Cristo-Rei, Maria é a nossa Rainha. A mediadora da paz. Inconcebível ser membro da Igreja e não ser da paz, assim como foi a nossa mediadora da paz. Que a Mãe Rainha nos dê força, coragem e sabedoria para enfrentar as dificuldades da vida!

Uma segundona carregada de preguiça. Demoramos um pouco até entrar no ritmo novamente. Hoje é também um dia especial para o povo brasileiro. Nesta data comemoramos o Dia do Folclore Brasileiro. Esta data foi criada com o firme propósito de alertar as pessoas para a importância e valorização das manifestações folclóricas em todo o país. Tal data foi instituída no Brasil através do Decreto nº 56.747, de 17 de agosto de 1965. Pena que algumas escolas espalhadas pelo país, ainda tratam as questões indígenas como parte do folclore e não como povos marcados por saberes culturais ancestrais milenares. Perdem assim uma grande chance de aprender com eles toda uma riqueza cultural.

Se ontem foi o dia da Ascensão de Nossa Senhora, hoje estamos venerando a Mãe como a nossa Rainha. Ninguém melhor do que o Evangelista Lucas para nos trazer o texto que trata da narrativa de toda a trajetória desta mulher, introduzindo-a na História da Salvação. Da periferia de Nazaré para o centro do Projeto de Deus. Maria é a digna representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Todos e todas naquele contexto histórico aguardavam ansiosamente a vinda do Messias e Maria estava neste grupo. No ventre materno de uma mulher pobre, foi semeada a semente do Reino. Dela nasce Jesus Messias, o Filho de Deus. O nascimento de Jesus de Nazaré é obra e graça da intervenção de Deus, que toma a iniciativa de vir estar conosco. Aquele que vai iniciar nova história surge dentro da história de maneira totalmente nova, graças ao Sim confiante e decidido desta Mãe. Acreditou e se entregou.

Entre o sim e o não há uma decisão. Maria soube dizer o seu sim com a própria vida. Entregou-se nos braços do Pai, se fazendo serva do Reino. Servidora das causas dos pobres. Maria se fez a representante da comunidade dos pobres, marginalizados, esquecidos por tudo e por todos. Um sim dado com a palavra, mas também com o coração, permitindo engravidar-se do Projeto de Deus. Um sim dado a cada dia no seguimento do Filho que gestou em si. Do ventre de Maria nasce o autor da vida em plenitude, se fazendo vida no horizonte de Deus. Do ventre da Rainha nasce Jesus que veio nos revelar o sonho de Deus que, gratuitamente nos ama apaixonadamente e quer que vivamos plenos de graça e luz.

Sim e não duas palavras que nos acompanham vida afora. Ser seguidor de Jesus requer que saibamos conjugá-las na prática cotidiana da vida. Ao fazermos a nossa adesão ao seguimento de Jesus, Ele exige que o relacionar com as pessoas seja responsável, franco, sincero e verdadeiro. Como o próprio Jesus nos diz através do texto do evangelista Mateus: “Diga apenas ‘sim’, quando é ‘sim’; e ‘não’, quando é ‘não’. O que você disser além disso, vem do Maligno.” (Mt 5,37) Como é difícil viver sob esta perspectiva! O nosso ‘sim’ nem sempre é ‘sim’. O ‘sim’ e o ‘não’ convivem conosco em nossas relações e nem sempre conseguimos ser verdadeiros naquilo que pensamos ou sentimos. Sim para a vida e tudo aquilo que ela representa. Não para a anti-vida e os projetos de morte. A mentira, a enganação e a falsidade pervertem as nossas relações.

Gosto da forma como os indígenas Xavante (A’uwé Uptabi), lidam com as palavras sim e não. O que pensam, vêem e sentem o dizem olhando nos nossos olhos. Não mandam recados. São extremamente sinceros nas palavras ditas. Se sim, sim! Se não, não! E ficam muito chateados quando o nosso sim e não são titubeantes. A forma de eles saberem, se estamos sendo verdadeiros ou não, é o seu olhar profundo dentro dos nossos olhos. A coragem de Maria fez dela uma mulher destemida. Seu sim dado fez dela a mulher que admiramos: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38). Confiando em Deus se colocou a disposição para o que desse e viesse. Aprendamos com ela a dar o nosso sim a cada dia. Lembrando que o sim de hoje não serve mais para o amanhã, que requer outro sim. Que o nosso sim seja de todo dia, afinal o Senhor está conosco. (Lc 1, 28)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.