O caminho do discipulado

Vigésimo terceiro domingo do tempo comum. Setembro já nos mostra a que veio: vestir a natureza com nova roupagem. As folhas já não despem mais as galhas das árvores como dantes. Um novo verde mais vivaz se instala no lugar dos galhos despidos. Aqui e acolá uma flor desponta, colorindo de vida o nosso olhar. É a primavera que prenuncia uma nova estação. A vida que se renova em formato de natureza, coroando a nossa vida através de um novo ciclo, nos fazendo recordar do químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794): “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

Natureza que me tirou da cama ainda bem cedo para ver o sol triunfar, ao nascer sobre o nosso Araguaia. Paisagem dourada em raios de sol. A cada manhã ele dá o seu espetáculo, apesar de não ser apreciado por grande parte das pessoas que veem como coisa corriqueira normal. Olhar este magnifico espetáculo e não sentir a presença de divina por detrás deste cenário, comprova a nossa rudeza diante das manifestações de Deus em nossas vidas. Mesmo assim, Ele continua acreditando e apostando em cada um de nós, de que somos capazes de realizar o novo a partir do nosso ser e estar neste mundo. Esperança que sempre renasce em nosso coração, com a presença de um Deus que é tudo em todos.

Coração que para o povo semita, o povo da Bíblia, é o centro das principais decisões que se toma na vida. Segundo a concepção deste povo, não é da cabeça pensante que vem o posicionar neste mundo. A cabeça até pensa, conhece e entende o processo, mas a decisão final cabe ao coração. Na Bíblia, o coração é a mente, a fonte dos pensamentos e das decisões que se tomam, como está descrito no Livro do Deuteronômio: “Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o Senhor é Deus, em cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há”. (Dt 4,39) O Deus vivo que age na história e, somente poderá ser conhecido através de um coração que toma a decisão acertada. “O coração tem, razões que a própria razão desconhece”, já nos dizia o filósofo e teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662).

Este é o caminho do discipulado fiel no seguimento de Jesus de Nazaré, que a liturgia deste 23º Domingo do tempo comum nos apresenta (Lc 14,25-33). Apesar das grandes multidões acompanharem o Mestre Galileu, muitos destes não faziam seguimento de seus passos. Para fazer este seguimento é necessário tomar a firme decisão de adesão total ao seu Projeto Messiânico. Não são todos que estão dispostos a fazer esta caminhada em direção ao Reino de Deus. Neste sentido não basta o seguidor afirmar que tem “fé em Jesus”. É necessário algo mais que isso, quiçá ter a mesma “fé de Jesus”. Fé da radicalidade evangélica de quem doa a sua vida por inteiro às causas do Reino.

No texto de hoje, Jesus está a caminho de Jerusalém. E todos sabem o que isto significa: prisão, tortura, morte e Ressurreição. O horizonte do caminho de Jesus rumo à Jerusalém é sombrio. É lá que estão concentradas as forças da morte. É lá que o projeto de vida trazido por Jesus será confrontado com a truculência das autoridades religiosas (Fariseus, escribas, mestres da Lei, sumos sacerdotes). Era lá que se concentrava o poder econômico, religioso e político, de onde partiu o projeto de entregar Jesus ao Poder do Império. E Jesus até profetizou sobre a “poderosa” Jerusalém: “Jerusalém, Jerusalém, você que mata os profetas e apedreja os que lhe foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir seus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas, mas você não quis!” (Lc 13,34) A atividade de Jesus provoca temor e reação das autoridades.

“Seguir” a Jesus não é a mesma coisa que “imitá-lo”, como insistem algumas lideranças religiosas ainda nos tempos atuais. É assumir no hoje da história a mesma postura de Jesus diante das estruturas de dominação. Fazer parte do discipulado de Jesus é seguir os seus passos e dar continuidade ao seu projeto. É fazer uma ruptura entre as velhas estruturas de dominação e poder, e viver uma realidade diferente, pautada por novas relações com as pessoas, com as coisas e conosco mesmo. Como bem resumiu o comentário da Bíblia Edição Pastoral: “trata-se de assumir com liberdade e fidelidade a condição humana, sem superficialismo, conveniência ou romantismo. O discípulo de Jesus deve ser realista, a fim de evitar ilusões e covardias vergonhosas”. Quem é do discipulado de Jesus não apóia jamais, os projetos genocidas da necropolítica. Quem faz a opção evangélica radical de seguir a Jesus está disposto a descer os crucificados da cruz nos dias de hoje, enfrentando as forças da morte.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.