O Livro da vida

Quinta feira da vigésima segunda semana do tempo comum. Setembro finalmente chegou. O mês específico da Palavra de Deus. Desde o ano de 1971, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vem celebrando este mês como o “Mês da Bíblia”. O tema para um estudo mais aprofundado deste ano é o Livro de Josué. O lema é “O Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes”. (Js 1,9). Josué nos traz um relato do cumprimento da promessa feita por Deus aos seus, rumo a uma terra que seja o lugar onde se possa construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária, conforme os desígnios de Deus projetado no Livro do Deuteronômio.

O Livro de Josué introduz para nós o período dos Livros Históricos (Josué Juízes e Rute). Imediatamente após aquilo que denominamos como o Pentateuco, ou seja, os cinco primeiros livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. A temática central do Livro de Josué é a narrativa da entrada do povo de Deus na Terra Prometida, após a longa travessia pelo deserto, em busca da libertação da escravidão do Egito, tão bem descritos especificamente no Livro do Êxodo e também Deuteronômio. Sabendo que Moisés não estava mais presente fisicamente com eles, pois havia falecido no deserto. Deus cumpre a promessa de dar a terra a seu povo. Porém, para apossar desta terra é preciso muita firmeza e coragem, pois o povo terá que lutar para se apropriar da terra que Deus lhe deu.

Já são 51 anos que a Igreja do Brasil vem refletindo no mês de setembro como o “Mês da Bíblia”. Tudo isso no intuito de levar os cristãos das nossas comunidades católicas a uma reflexão mais aprofundada acerca da Palavra de Deus, promovendo assim um encontro pessoal e comunitário com o texto bíblico. Ocasião para se fazer uma experiência mais profunda com a Palavra de Deus, oportunizando aquilo que virou especialidade do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), que é uma “leitura orante” da Palavra de Deus. Não de uma leitura qualquer, mas uma leitura que precisa ser contextualizada. Um olho na Bíblia e outro na realidade. Ler e entender o contexto de época, para que possamos fazer uma transposição para a realidade que ora vivemos.

Realidade vista e pensada a partir dos pés que estão fincados no chão da história. Neste ano de 2022, por exemplo, estamos comemorando os 200 anos da “Independência do Brasil” (1822). Olhar para a história do passado e perceber que precisamos desconstruir e descolonizar alguns conceitos que não refletem aquilo que foi a nossa história realmente: Independência de quem e para quem? Diante de uma história de massacre do povo negro e dos povos indígenas, com a conivência cúmplice da Igreja Católica, o Livro de Josué nos ajuda a suscitar a esperança de um Deus que esteve presente em toda a trajetória do povo brasileiro: “O Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes”. (Js 1,9)

Deus esteve e está presente na história de seu povo eleito. Ele que também se manifestou de forma muito positiva na pessoa de seu Filho, Jesus de Nazaré, que o lecionário litúrgico no dia de hoje nos brindou com uma passagem bastante significativa: “Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus”. (Lc 5,1) O Mestre Galileu não está mais ensinando na sinagoga, mas está no meio dos deserdados, vivenciando a realidade destes: pobres pescadores que haviam passado a noite inteira sem conseguir pescar um peixe sequer. Mais do que um lugar geográfico (lago de Genesaré), trata-se especificamente de um “lugar teológico”, pois é a partir deste “lugar social”, que Ele vai chamar os seus primeiros seguidores para fazerem parte do discipulado.

Lançar as redes nas águas mais profundas é o primeiro sinal para aqueles que vão fazer parte do grupo de Jesus. Uma pequena amostra de qual e como deverá ser a missão reservada ao discipulado: fazer que as pessoas participem da libertação trazida por Ele e que só pode ser realizada concretamente no seguimento d’Ele, mediante a união com ele e sua missão. Proposta feita, proposta aceita, na medida do seguimento que é algo extremamente exigente: é preciso “deixar tudo”, para que nada impeça o discípulo e a discípula de anunciar a Boa Notícia do Reino. O mesmo que fora dito a Simão, está sendo dito a cada um de nós que queremos fazer parte do grupo de Jesus: “Não tenhas medo!. (Lc 5, 10) Somente revestidos pelo amor é que seremos capazes de vencer o medo e trilhar na mesma trajetória de Jesus. Estamos vivos e a esperança vai sempre vencer o medo. Ademais, como dizia o matemático e filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970): “Temer o amor é temer a vida, e os que temem a vida já estão meio mortos”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.