Os dons e o serviço

 

Quarta feira da trigésima terceira semana do Tempo Comum. Entramos na segunda quinzena do mês de novembro. Duas semanas se passaram da última eleição e os fanáticos lunáticos, seguem fazendo desordem país afora. Em nome da liberdade, pedem a intervenção militar. Mal sabem eles que as duas situações não caminham de mãos dadas. Já passou da hora desta gente tresloucada, deixar as redes digitais e voltar para as aulas de história. Sou obrigado a comungar com a frase dita pelo Ministro do STF Alexandre Barroso: “É o que o Brasil se transformou. Ignorância, falta de educação e fanatismo. Vai dar trabalho consertar”. Nada que um bom livro de História não os ajude se é que querem ser ajudados.
Já estou de volta ao meu Araguaia, depois de passar por alguns exames médicos na cidade de Barra do Garças. Estar de volta à casa da gente não tem preço. Depois de uma noite reparadora do cansaço da viagem, meus anfitriões acordaram-me ainda muito cedo, quando me pus a rezar na companhia deles, num clima bastante aprazível, depois da chuva abençoada da tarde/noite. Clima fresco rompendo o dia, desfazendo a escuridão, prenunciando a nova aurora. Sabiás e bem-te-vis em festa alegremente, por saborear ecumenicamente a ração das cachorras. Deus se fazendo presente na criação, espalhando paz e harmonia na irmandade que nos fazem seres interligados.
Harmonia que está difícil de ser construída nos anais da história contemporânea. No ultimo domingo (13), por exemplo, o bispo Auxiliar de Belo Horizonte (MG), Dom Vicente Ferreira, foi ameaçado de morte por parte de um grupo bolsonarista, enquanto celebrava Missa do Crisma na cidade de Moeda, interior de Minas Gerais. Este bispo tem se notabilizado na defesa intransigente dos Direitos Humanos, sobretudo das pessoas atingidas por barragens, e também pela democracia, seriamente ameaçada por este grupo de fanáticos desordeiros, que ainda contestam o resultado do último pleito eleitoral. Os mais de 60 milhões de votos recebidos pelo vencedor no segundo, não quer dizer nada para esta camarilha, apesar de ser a maior votação obtida por um candidato à Presidência desde a redemocratização.
Sem falar que no dia anterior (12), o Centro de Formação Paulo Freire, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no assentamento Normandia em Caruaru (PE), foi atacado na madrugada por um grupo de bolsonaristas. No ataque eles incendiaram uma das casas dos assentados após fazer pichações alusivas ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Enquanto permanecer a impunidade, haveremos de conviver com situações aberrantes como estas, uma vez que, de todas as armas possíveis e imagináveis, a que mais mata é, sem dúvida, a impunidade. Como diria o Físico italiano Galileu Galilei (1564-1642): “A verdade é filha do tempo e não da autoridade, mas a dúvida é o começo da sabedoria”.
Não somente de horrores vivem os filhos e filhas de Deus nesta terra. No encerramento do 18º Congresso Eucarístico Nacional (15) Dom Antônio Fernando Saburido, Arcebispo de Olinda de Recife, comunicou aos presentes a decisão do Vaticano que autoriza processo de beatificação de Dom Helder Câmara. Nosso “Anjo Rebelde”, enfim terá o seu processo desencadeado, com vistas à sua canonização. Já não era sem tempo. A título de curiosidade, certa feita um repórter perguntou a Dom Helder, quantas línguas ele falava, já que era um “cidadão do mundo”, ao que respondeu aquele franzino cearense: “eu falo o cearenso”. Humildade chegou ali e ganhou vida.
Dom Hélder Câmara, um homem simples, mas de talentos memoráveis. O pequeno notável. Talentos estes dos quais fala Jesus no texto da liturgia desta quarta feira. O final do referido texto lucano, no seu último versículo, nos remete ao contexto: “Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém”. (Lc 19,28) Com o itinerário definido, sabendo de tudo o que o aguardava na cidade alta, Jesus segue ensinando aos seus. Sua prédica e prática pedagógica, teológica/eclesial prevalece, através de mais uma parábola. Desta vez relacionada aos talentos que todos nós recebemos e dos quais haveremos de prestar contas um dia. Cada um de nós com os talentos recebidos, com a incumbência de fazê-los frutificar. Não há como fugir.

O texto nos recorda que não basta estar preparado, esperando passivamente a manifestação de Jesus. O cristão não é alguém que se contenta com o mínimo necessário. É preciso arriscar e lançar-se à ação, para que os dons (talentos) recebidos frutifiquem e cresçam. Jesus confiou à comunidade cristã a revelação da vontade de Deus e a chave do Reino. A Igreja é a continuadora desta mensagem libertadora do esperançamento de Jesus. Como nos dizia nosso bispo Pedro: “A Igreja é mais esperança que instituição”. No julgamento, Ele pedirá contas por cada dom recebido. A responsabilidade de multiplicação dos dons recebidos cabe a cada um de nós na vivência da experiência comunitária. A comunidade soube repartir e o fez crescer, ou o escondeu das pessoas? Já pensou nos dons que você recebeu de Deus? Como você os tem colocado a serviço? Não nos esqueçamos do que foi dito por Jesus: “a todo aquele que já possui, será dado mais ainda; mas àquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem”. (Lc 19,26) Já pensou nisso? Que responsabilidade recai sobre cada um de nós, né?


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.