Chamado ao discipulado

Quarta feira da primeira semana do Advento. Novembro se despede, entregando a dezembro os finalmente de mais um ano. Assim vamos caminhando em direção ao Natal, tempo propício de renovação das nossas estruturas pessoais e comunitárias, rumo ao advento do Reino de Deus que já está entre nós. O Deus que é vida se faz presente no Filho, anunciando uma nova história. Cumprindo as promessas de outrora, Deus vem visitar o seu povo e fazer morada em nossa realidade humana. No ventre de Maria, Jesus entra pelas portas da frente da nossa humanidade sendo palavra viva do sonho de Deus. Jesus que vem cumprir as profecias, conforme já anunciava o profeta Isaías em Jerusalém por cerca de 40 anos entre os anos de 740 a 701 a.C., aproximadamente: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso”. (Is 9,1)

Rezei esta manhã na penumbra da madrugada se fazendo dia em meu quintal. Um silêncio avassalador preenchia o espaço. Momento propício para contemplar as benesses de Deus que nos vem da Mãe Natureza. Ela que sabe ser vida, mesmo diante das seguidas ameaças de morte, em nome do terrível desenvolvimento, de alguns, é claro. Ela que sabe se regenerar. Bastou um pouco mais de chuva para que o verde colorisse todo o ambiente que chamam de meio. No lugar das cinzas das queimadas, os brotos surgem renovando a vida, colorindo de esperança o ar que respiramos. Foi neste clima que me fiz oração, agradecendo a Deus pelo dom da vida.

Dom da vida e entrega total do padre Júlio Lancellottti, que veio inteiro em meu pensamento nesta manhã, a quem dediquei parte de minhas orações. Júlio é um grande amigo a quem aprendi a admirar, desde os tempos de padre jovem, ainda na periferia da Zona Leste de São Paulo. Depois da visita que lhe fiz no início deste ano, experimentando “in loco” a atuação de seu grupo de trabalho, impossível não reconhecer na pessoa dele, um dos seguidores fieis de Jesus de Nazaré. Quando das minhas idas para o Curso de Verão do CESEEP, Pedro fazia questão de dizer-me: “leva o meu abraço ao padre Beozzo e ao padre Júlio Lancellotti”. Conclui a minha oração do dia deixando ressoar em mim uma das frases do padre Julio: “Eu não luto pra ganhar. Eu luto pra ser fiel até o fim”.

Lutar para ser fiel como o santo que a Igreja celebra no dia de hoje: Santo André. A liturgia desta quarta feira nos traz a figura do apóstolo André. O primeiro dos apóstolos a ser chamado: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4, 19). O primogênito do grupo de Jesus, recebendo o chamado do Mestre e se colocando a inteira disposição. Como os demais apóstolos, André deixou imediatamente as redes e seguiu Jesus. Uma resposta rápida que permitiu ao discipulado de Jesus difundir a Palavra, a Boa Nova, Boa Notícia às pessoas. Escutar o chamado e colocar-se a disposição para o serviço.

O contexto sócio, político, econômico e geográfico do relato de Mateus hoje, acontece as margens do Mar da Galileia, a mesma “Galileia dos Gentios”, conforme nos diz o profeta Isaías. Região ao norte da Palestina, que aparece com destaque no Novo Testamento, por onde Jesus desenvolveu boa parte de seu ministério publico terreno. Uma região habitada por judeus e gentios, e possuía contato com a cultura grega e romana. Essa diversidade cultural da população era, provavelmente, um dos fatores que mais contribuía para o desprezo dos galileus por parte dos judeus, como o próprio evangelista São João assim relata: “Você também é galileu? Estude e verá que da Galileia não sai profeta”. (Jo 7, 52).

O Chamado de Jesus a André é também o chamado que é dirigido a todos e a cada um de nós. Andre ouviu o chamado e disse sim, aqui estou! A resposta dos que são chamados por Jesus é imediata: ”Eles imediatamente deixaram as redes e o seguiram”. (Mt 4, 20). O verdadeiro discípulo de Jesus é aquele/aquela que ouve o seu chamado e fica com os olhos e o coração atentos, com disposição para seguir adiante, trilhando as mesmas pegadas de Jesus no serviço ao Reino O chamado dos primeiros discípulos é também um convite aberto a todos os que ouvem as palavras de Jesus. Como Mateus nos revela, Simão e André deixaram a profissão; Tiago e João deixaram a família para seguir Jesus. Fazer o seguimento de Jesus implica deixar as falsas seguranças de agora que possam impedir o compromisso com uma ação libertadora e transformadora da realidade. Santo André foi martirizado (crucificado) por causa de seu seguimento de Jesus. Ser do discipulado de Jesus é estar disposto a ser um “fracassado”, como bem disse o padre Julio nesta sua frase: “A minha perspectiva é o fracasso. Porque se eu buscar a vitória é porque eu me rendi ao sistema. Nesse sistema eu sempre serei um fracassado. Eu quero estar sempre ao lado dos que perdem”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.