O rosto feminino de Deus

Segunda feira da terceira semana do Advento. Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. Uma aparição da Mãe ocorrida no ano de 1531 a um indígena da etnia Asteca, de nome Cuauhtlatoatzin, que significa, “Águia falante”. Todavia, ao ser batizado pelos padres colonizadores, estes mudavam o nome dos indígenas. Assim deram o nome de Juan Diego ao indígena que presenciara a aparição da Mãe. Lembrando que para os colonizadores, os indígenas não possuíam alma e, por este motivo, precisariam ser batizados para tê-la. Juan Diego foi canonizado pelo Papa João Paulo II em 2002.

Senhora de Guadalupe ou Virgem de Guadalupe. Nossa Mãe aparecendo a um indígena, talvez para despertar a atenção para a realidade sofrida pelos povos originários nas mãos cruéis de seus sanguinários colonizadores, tudo em nome do processo do “eurocentrismo”, promovendo a dizimação de etnias inteiras. A Igreja Católica sendo conivente com o massacre de indígenas e negros para além do Atlântico. Diante dos povos indígenas, dizia-nos nosso bispo Pedro, precisamos desenvolver um processo de “desevangelização” e “descolonização”. “Morena de Guadalupe, Maria do Tepeyac, congrega todos os índios na estrela do teu olhar, convoca os Povos da América que querem ressuscitar.”
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Fiz questão de rezar nesta manhã na companhia do profeta dos pobres do Araguaia. Recordei que Pedro tinha uma devoção especial a Mãe de Jesus e nossa. A “comadre de Nazaré” era sua companhia inseparável também nos momentos de oração. Tinha uma devoção mariana à Senhora de Guadalupe, em função de ser ela a Mãe das causas indígenas de todas as horas. Neste clima de devoção mariana, trouxe presente na memória aquela que introduziu a Mãe de Jesus em minha vida: minha mãe. Olhando para ela, com o seu carinho maternal para conosco, seus filhos, impossível não ver encarnada nela, a Mãe de Jesus. Um coração cheio da amor e bondade.

Festa da Mãe e padroeira da Latino-América. Festa do encontro de duas mulheres mães guerreiras, colunas da Igreja nascente. A liturgia desta segunda feira nos dá o privilégio de refletir a partir do encontro de duas grandes mulheres: Maria e Isabel: “Naqueles dias Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel”. (Lc 1, 39-40) O encontro de duas mulheres que trazem em seus ventres o esperançar da vida. Um encontro cheio de vida, cheio do Espírito Santo. Encontro da bondade, da solidariedade, da ternura e do amor de Deus. Joao Batista salta de alegria no ventre ao ouvir a saudação da Mãe de Jesus, fazendo sua mãe enaltecer o Filho de Deus: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! (Lc 1,42)

Deus se fazendo presente na vida destas duas mulheres. A história da humanidade sendo reescrita com a participação decisiva de duas grandes mulheres. A Igreja nascendo do ventre materno. O jeito feminino de Deus se fazendo presença viva na história de Isabel e Maria. Mesmo não sendo valorizadas na sociedade em que elas viviam, Deus encontra um jeito de fazê-las protagonistas do Projeto Salvífico para toda a humanidade. O protagonismo feminino entrando na história humana através da gestação do precursor João Batista e de Jesus de Nazaré. Isabel e Maria revelando em si a face feminina do Deus da ternura e da amorosidade e da extrema compaixão. “Maria, alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor é contigo; és bendita entre todas as mulheres da terra!”(Lc 1,28)

Celebrar a festa de Maria é festejar o rosto materno de Deus. É celebrar a vida acontecendo nas ações que podemos desenvolver a partir de cada um de nós. Encarnar o espírito feminino de Deus e fazer a história acontecer, com ternura, amorosidade e compaixão, típicas do ser feminino que podemos deixar transbordar em nós. Ser uma Igreja feminina em que a participação delas não seja de meras coadjuvantes, mas também com poder de decisões, tomadas em sua maioria por varões clericais, às vezes machistas. Como bem nos dizia Pedro: “A Igreja do século XXI deverá ser feminina, (macro)ecumênica e com Opção pelos Pobres”. Uma Igreja em que o carisma, o espírito e o jeito feminino de ser estejam mais presentes que as interpretações virulentas das diretrizes canônicas. Que as palavras de Maria ressoem em nossas vidas, para que possamos também sermos grávidos da vida em Deus: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. (Lc 1, 46-47) Há muito o que aprender com as mulheres.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.