Os impasses da fé

Sexta feira da quarta semana do Advento. Sextou em clima de festa. Antevéspera do Natal do Senhor. A euforia toma conta das nossas atitudes festivas. Tempo de reencontros com as pessoas que estavam distantes. Tempo de cair dentro de um abraço saudoso das pessoas que amamos e queremos bem. Oportunidade impar para repensar o existir, sob a lógica de Deus que nos quer irmãos e irmãs em fraternidade familiar. Integramos a família humana de Deus nesta Casa Comum. A interligação se faz necessária para alcançarmos o Bem Viver. Como bem nos disse a Carta aos Efésios: “Vocês, portanto, já não são estrangeiros nem hóspedes, mas concidadãos do povo de Deus e membros da família de Deus”. (Ef 2,19)

Desafiei o tempo nublado desta manhã para rezar na companhia de Pedro. Na penumbra fria regada pelo vento, dedilhei em meus pensamentos um dos versos de seu poema “Um Natal Outro”: “Somente assim, feito criança, feito Deus vindo a menos, poderíamos te encontrar, diariamente nosso, entre Belém e a Páscoa, Jesus, o de Nazaré”. Ter a fé deste peregrino do Araguaia é tudo o que mais desejamos. Ter a fé inquietante, teimosa e resistente deste homem de Deus não é para qualquer um. Fé de quem ia à nossa frente, sendo e fazendo aquilo que acreditava, escrevendo na agenda da história, as utopias do Reino. Fé sem impasses e controvérsias, uma vez que piamente acreditava numa de suas máximas: “Quem se entende com os pobres
pode-se entender com Deus”. Fé que nos faz entendermos também com Deus diante dos desafios postos.

Somos pessoas de fé e acreditamos no Projeto que Deus arquitetou para nós. Não somos seres largados neste mundo sem nenhuma conexão com a dimensão maior em Deus. Nossa fé nos coloca no plano mais amplo de irmandade para com todos os demais seres que habitam este planeta. Sendo assim não estamos largados a mercê da própria sorte, uma vez que Deus nos tomou para si e nos fez todos irmanados. Somos assim da família de Deus e estamos unidos pela mesma fé no Deus da Criação. Para os que são revestidos pela fé não há a possibilidade de meio termo: ou somos ou não somos. A fé nos permite vislumbrar no invisível, a presença viva de Deus em nossa história.

Estamos a caminho do Natal. Já falamos de Maria, de Isabel, de João, e hoje nos deparamos com a figura do velho Zacarias. O texto que a liturgia nos proporciona meditar nesta sexta feira é categórico para aqueles que vivem a sua fé pela metade e não se dão por inteiro. Como o evangelista São Lucas deixa bem claro, Zacarias não acreditou na possibilidade da ação de Deus em sua vida, sua família. Se Isabel confiou e se entregou nas mãos de Deus, entretanto, ele titubeou. O seu pessimismo não permitiu que acreditasse no poder da ação de Deus. Deixou-se levar pelos impasses de sua fé. Ele faz parte daqueles que somente acreditam se enxergarem com os seus próprios olhos.

A nossa fé é a nossa força. Pela fé aprendemos a tirar força da fraqueza, mediante aquilo que vamos conhecendo da ação e do poder de Deus em nossas vidas. Desde os primórdios, o povo de Deus tem aprendido a tirar forças da sua própria fraqueza, como está escrito em Hebreus: ”apagaram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, extraíram força da sua própria fraqueza, mostraram-se valentes na guerra e expulsaram invasores estrangeiros”. (Heb 11,34) Sabemos que a força que está dentro de nós, pode não ser algo visível, mas está lá, poderosa e viva dentro de cada um de nós, porque o próprio Jesus é a nossa força, como o salmista assim mesmo nos atesta: “O Senhor é minha força e meu escudo, nele confia o meu coração”. (Sl 28,7)

O texto do Evangelho de hoje conclui que: “de fato, a mão do Senhor estava com ele”. (Lc 1,66). Evidentemente que o evangelista estava se referindo ao profeta João Batista. Como todo nome bíblico tem um sentido e significado, o nome de João quer dizer “Deus tem piedade”. Desde o berço de seu nascimento, o profeta traz em si o sinal que evidencia o projeto de Deus sobre si e a missão que estava incumbido de realizar: anunciar a vinda do Rei-Messias. Não um anúncio a partir do “Templo Sagrado de Jerusalém”, mas do deserto, como ponto de partida da sua missão de “preparar os caminhos do Senhor”. Deserto como lugar teológico de onde o sonho de Deus nascia assim para toda a humanidade. O Deus da vida é vida na pessoa do Filho que se faz um de nós e caminha conosco, mesmo diante da nossa fé diminuta e frágil.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.