O Natal da humanização

Sábado da quarta semana do Advento. Véspera do Natal. Já estamos quase lá! Os preparativos foram feitos e estamos na expectativa esperançosa de celebrar mais um Natal. Não como uma festa profana, típica do paganismo. Muito menos uma festa que enalteça o consumismo daqueles que, ao logo do ano, não significaram muito e não foram presença de esperança na vida das outras pessoas, aproveitando-se desta ocasião para enviar mensagens ou “comprar” a simpatia do outro com presentes. Nesta hora, vale a filosofia oriental, ao preconizar que o melhor presente que alguém pode dar, é a si mesmo como presente ao outro, assim como Jesus si nos deu como presença viva.

Celebramos o Natal da humanização do sonho de Deus se realizando na história através da vida e vinda de uma simples criança indefesa. Natal da vida nova que se concretiza na história quando Deus cumpre a sua promessa e resolve se encarar em nossa realidade humana. O Divinizado de Deus se fazendo humanizado na pessoa do Filho. Da relação de ternura e amorosidade entre Pai e Filho, somos agraciados em nossa humanidade, quando então temos a chance de penetrar o Divino de Deus em nós. O Natal quer ser esta oportunidade de buscar dentro de nós o nosso lado mais humano e divinizá-lo nas relações. Ou como diria Dom Hélder Câmara, na sua versão do Natal: “Gosto de pensar no Natal como um ato de subversão… um menino pobre, uma mãe solteira, um pai adotivo… quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade, os pastores…”

Como é de praxe acontecer neste tempo do Advento, a liturgia nos traz os textos do Evangelho de São Lucas. Desta vez, ele nos apresenta o lado já “convertido” do sacerdote Zacarias, depois de seu processo equivocado, ao qual fora submetido a mudez. Antes, porém, devemos nos lembrar que ao narrar o nascimento do Menino-Deus, a preocupação primeira de Lucas não é apresentar-nos um relato jornalístico. Até porque, se assim o fosse, é possível que sua narrativa não batesse com a história propriamente dita. Desta forma, Lucas nos traz um relato teológico da ação de Deus na história com a chegada de Jesus de Nazaré.

Zacarias é aquele mesmo que duvidou da ação de Deus em sua historia de vida. Ele era um sacerdote da oitava geração, ou seja, a de Abias, uma das 24 estabelecidas por Davi, que regulamentavam os turnos semanais de serviço no Templo. Havia casado com Isabel, que também era de uma descendência de família sacerdotal. Seu matrimônio não foi agraciado pelo nascimento de um filho. Isso num tempo em que a esterilidade era sinônimo de marginalização e descrédito. Mesmo recebendo um sinal de Deus que esta situação iria se transformar, com o nascimento de um filho do casal, ele não acreditou, duvidando assim da ação de Deus em suas vidas.

Passado este processo de dúvida e incertezas por parte deste sacerdote, Lucas nos apresenta hoje o “Cântico de Zacarias”. Primeiro foi o “Beatitude” de Isabel (Lc 1,42). Em seguida o “Magnificat” de Maria (Lc 1,46-50). Agora ele nos apresenta o “Benedictus” (Lc 1,68-79) Ambos os três momentos distintos, mostrando toda a sensibilidade deste evangelista, nos dando conta que a mensagem de Deus não precisa ser apenas compreendida, mas celebrada no mais intimo do coração. Assim, o “Cântico de Zacarias é uma manifestação plena de louvor e adoração, motivada pelos acontecimentos surpreendentes que tinham acabado de acontecer. Zacarias provou que para Deus nada é impossível.

O Cântico de Zacarias não é apenas uma manifestação decorrente da sua alegria por tornar-se pai, num contexto em que toda a esperança tinha se esvaído. Ao contrário, movido pelo Espírito Santo, ele expressa a manifestação de que Deus havia prometido desde os tempos mais longínquos do Antigo Testamento, estava prestes a ser realizada. O seu filho João Batista seria o precursor, anunciando a vinda do Messias. Tão belo quanto os outros, o Cântico de Zacarias é um louvor ao Deus da plena misericórdia que realiza, através de Jesus, a presença viva no meio dos pobres. Em Jesus, Verbo encarnado, se manifesta a força que liberta dos inimigos e do medo, formando assim um povo santo diante de Deus e justo diante do mundo. Desse modo, manifesta-se a luz que ilumina a condição do povo, abrindo uma nova história, que se encaminha para a Paz, isto é, a plenitude da vida.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.