Eu não sou!

Segunda feira, início de um novo ano. Liturgicamente, estamos no Tempo do Natal, antes da Epifania. Estamos iniciando um novo ciclo de nosso calendário cívil, mas ainda contemplando a manifestação de Deus através da criança que nasceu em Belém. O Menino Deus segue repercutindo em nossa história humana, trazendo até nós as maravilhas que Deus pensou para os seus, tornando realidade viva da vida plena em nós. Como a antífona da celebração de hoje já nos antecipa: “Depois de ter falado, no passado, aos nossos pais pelos profetas muitas vezes, em nossos dias Deus falou-nos por seu Filho. (Hb 1,1-2)

Início de mais um ano. Tempo propício para repensar a nossa trajetória de vida e planejar um novo jeito de ser, pensar, sentir e agir neste mundo. Tempo de sairmos de dentro de nós mesmos e sermos mais presença de vida na pessoa dos outros que convivem conosco. Tempo de abrir mão de nossas mesquinharias, próprias do egocentrismo e nos darmos por inteiro nas relações de fraternidade, amor incondicional e entrega gratuita por um mundo mais humano, justo e que caibam a todos. Tempo de rasgar o nosso velho eu e sermos pelo “Bem Viver”, sonho maior de Deus.

Tempo de revestir-nos com o espírito do Namastê: “o Deus que há em mim, sauda o Deus que há em você”. Todos somos seres de luzes e nascemos para brilhar no luzeiro do esperançar de Deus. Nada de querer apagar a luz que há no outro, ou ter a pretensão de que a nossa luz própria, se sobreponha à luz do outro. A luz que há em cada um de nós, se completa e brilha mais com a luz que vem do outro. Todas as vezes que tentamos ofuscar a luz do outro, sem percebermos, ofuscamos primeiro a luz que trazemos em nós. Como luzes a brilhar, sigamos aquilo que foi dito pelo evangelista Lucas: “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la em lugar escondido ou debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, a fim de que todos os que entram vejam a luz”. (Lc 11,33)

João Batista, o profeta da esperança, que foi um luzeiro, preparando os caminhos do Senhor. Mais uma a vez a liturgia do dia, nos coloca em sintonia com este grande homem. Alguém que soube se colocar em seu devido lugar. Poderia muito bem tentar ofuscar a luz de Jesus, mas não o fez: “Eu não sou o Messias”. (Jo 1, 20) Isto diante das autoridades dos sacerdotes e levitas, querendo saber se João era ou não o Messias esperado. Revestido da humildade que lhe era peculiar, João ainda declara: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’”. (Jo 1, 23)

João anuncia o Messias, que iria libertar os pobres da miséria e da dominação estrangeira. A partir do deserto, como lugar teológico, ele anuncia a chegada do Messias que estava bem próxima e pedia a adesão do povo, através de um batismo de conversão. Ou seja, o Messias já está presente a fim de inaugurar uma nova era para o povo sofrido e marginalizado. A luz de Deus acendendo em meio as trevas da escuridão da opressão e da marginalidade social. Isto para desespero das autoridades, sentindo-se profundamente incomodadas.

João Batista, a testemunha fiel trazendo até nós o esperançar de Deus na pessoa do Messias. João não era o Messias da luz de Deus, mas aquele cuja função era a de preparar o caminho para as pessoas chegarem até Jesus. Nós também podemos e devemos ser como João: levar as pessoas até Jesus através da presença viva do Filho que trazemos dentro de nós. Não anunciamos a nós mesmos, mas o Verbo encarnado que fez morada em nós. Sejamos, portanto, a luz de Deus que brilha em nós, na escuridão das crises existenciais daqueles e daquelas que não se permitiram deixar brilhar em si a luz de Deus que nelas habita. “Ó Luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!” Sejamos anunciadores da luz que é Jesus!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.