O lugar dos marginalizados

Quinta feira da Primeira Semana do Tempo Comum. A vida pede passagem. Criados a imagem e semelhança do nosso Deus, nosso caminho está traçado em direção a busca incessante de nossas realizações. Elas se abrem no horizonte de nossas perspectivas como plenitude a ser alcançada, pois é assim que está pensada no sonho de Deus para nós. Cada passo dado deve ser projetado nesta direção.

Acordei ainda muito cedo e rezei na companhia dos pássaros, saltitando com os seus acordes nas poucas árvores que ainda encontram na cidade. Ao fundo, roncam os potentes motores dos “pássaros de prata” levantando vôo. Um barulho atípico e completamente diferente do som característico do meu quintal distante. Poucos dias me separam deste reencontro tão desejado em meu coração, que, brevemente, despedirá desta Minas que me viu nascer.

Os sinais de esperança estão no ar. Meu coração rejubila em meu peito. O dia de ontem é um daqueles dias para ser registrado como um marco de nossa história. Duas mulheres empoderadas, assumindo posições firmes e decidas no Ministério dos Povos Indígenas e também no Ministério da Igualdade Racial. Sônia Guajajara, Indígena da etnia de mesmo nome e Anielle Franco, mulher preta e da luta, tomando posse à frente de seus respectivos ministérios.

Mulheres de luta e da luta que vem do lugar dos marginalizados. Mulheres que trazem no sangue as marcas de seu pertencimento identitário às suas classes: os povos Indígenas e o povo negro. Povos Indígenas marginalizados e massacrados pelos ideais desenvolvimentistas do lucro e da ganância produtiva sobre os seus territórios; povos negros como a “carne mais barata do mercado”, vendo seus corpos mutilados e marginalizados, perdendo vida nas periferias geográficas e sociais.

Povos da resistência. Vivem da teimosia insistente e resiliente de suas causas. Desde o pisar do colonizador sobre estas terras que já eram suas, os Povos Originários vem sofrendo toda forma de marginalização com as políticas integracionistas e o regime de tutela. Resistem o quanto podem para fazer valer o seu direito de continuarem na sua relação própria com os seus territórios e saberes culturais ancestrais milenares. Agora sim, podemos pensar uma política Indígena orquestrada por eles, no lugar do que sempre foi, a política Indigenista, pensada por outros no seu lugar.

Vidas negras importam. Anielle terá pela frente a tarefa de construir uma política ancestral, onde os valores de toda uma rica cultura esteja na ordem do dia, retomando os ideais de Zumbi de Palmares, Dandara, Tereza de Benguela e tantas outras mais, mártires na luta por seu povo. Como diria Dom Helder Câmara, “houvesse a Igreja pisado mais na Senzala do que na Casa Grande, a história seria outra”.

A história sendo outra quando acompanhamos os passos de Jesus. Ele sim, sabia se colocar no lugar do marginalizado, como nos mostra o contexto do Evangelho de hoje (Mc 1,40-45). Ele não somente pregava a Boa Nova, mas também curava toda espécie de doença entre o povo, como no caso deste leproso: “chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: Se queres, tens o poder de curar-me. Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: Eu quero: fica curado!” (Mc 1,40-41) Jesus agindo na periferia, movido pela compaixão, colocando-se no lugar daquele pobre homem. É o coração de quem se abre para estar com e para os marginalizados.

No tempo de Jesus, este tipo de doença marginalizava ainda mais as pessoas. Além da doença ser considerada uma maldição (castigo), o leproso devia viver fora da cidade, longe do convívio social e afetivo com os seus. Jesus toma para si as dores deste homem e se volta contra aquela sociedade que produzia a marginalização e exclusão, ao invés de cuidar de quem mais necessitava de carinho. Por este motivo, o homem curado devia apresentar-se para dar testemunho contra um sistema que não curava, mas só declarava quem podia ou não participar da vida social. Jesus faz com que o marginalizado se torne testemunho vivo, que anuncia Jesus, aquele que purifica. Testemunhando Jesus, ele passa a ser um evangelizador das mesmas causas de Jesus. É no meio dos marginalizados que mais facilmente podemos encontrar Jesus.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.