Coração de pedra

Quarta feira da Segunda Semana do Tempo Comum. Os dias vão se passando e a vida acontecendo, ganhando forma através do nosso ser neste mundo. Como Paulo Freire mesmo nos orientava, vamos lendo e decodificando o mundo por meio de uma postura crítica frente aos fatos e acontecimentos da vida. Ler e interpretar o mundo com a luz da mente e também do coração.

O cansaço vai tomando conta do meu corpo. A cidade grande cansa a gente. Tudo é muito distante, desde o olhar das pessoas até o espaçamento geográfico. O anonimato é a tônica das relações de pessoas que não se vêem, não se sentem e nem se encontram. Cada qual no seu mundo pensado e vivido. Um simples cumprimentar desinstalam as pessoas, fazendo-as se sentirem surpreendidas. A cidade despersonaliza com o seu individualismo excessivo, embrutecendo as relações.

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”, diria-nos o filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662). Uma coisa é exercitar o pensamento e trazer dentro dele o racionalismo próprio do ser pensante. Outra, é deixar que o mais profundo do sentimento que ocupa as raias do coração, delinei o nosso jeito de ser, pensar e agir, perante os desafios que a vida nos reserva. Como o povo semita, o povo da Bíblia, que tinha o centro das suas decisões o coração e não na mente pensante.

Coincidentemente no dia de hoje, estou cuidando do meu coração. Fazendo os exames de rotina para saber a quantas andam o velho coração 6.5 de km rodada. Preparar corpo e mente, alma e coração, para os embates de mais um ano que teremos pela frente, de muita luta de reconstrução. A vida pede passagem e anseia por participar do sonho da Casa Comum. A participação de cada um de nós, fará a diferença e será decisiva, por um mundo mais justo, igualitário e fraterno. Os povos Indígenas me aguardam e o Araguaia corre dentro de mim na busca pelo “Bem Viver”.

O coração é a temática central que a liturgia desta quarta feira traz para nós. Jesus dialogando com os seus opositores. Enquanto Ele “pregava a Boa Nova, o Reino anunciando, e curava toda espécie de doenças entre o povo” (Mt 4,23), haviam aqueles que estavam apenas aguardando que Ele realizasse alguma ação de cura em dia de sábado, para poderem o acusar.

“Jesus, então, olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eram duros de coração”. (Mc 3,5) Gente com o coração de pedra, pouco se importando com a vida dos excluídos e marginalizados. Jesus o autêntico “fora da Lei”, preocupado que estava em realizar as ações em favor da vida humana, sobretudo daquela gente que era invisibilizada pelo sistema sócio-político-econômico-religioso de sua época. Que se dane a “Lei do Sábado”, conquanto as vidas humanas não sejam ameaçadas.

Jesus e o seu jeito revolucionário de ser. Na interpretação humanística dele, a “Lei do sábado” deve ser interpretada como libertação e vida para as pessoas. Assim também deve ser o jeito cristão de ser, agir e pensar. Como nos dizia nosso bispo Pedro: “Não se pode ser cristão, se não se é revolucionário. Não se pode ser cristão, se não se é utópico. Não se pode ser cristão, se não se é, no melhor sentido, ativista”. O nosso ser cristão precisa ser mediado pela ação libertadora de Jesus, mas antes devemos transformar o nosso coração endurecido pelo ódio, indiferença e preconceito em relação aos pequenos.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.