A lei da vida

Terça feira da Segunda Semana do Tempo Comum. O tempo litúrgico contando os dias e nos fazendo entrar em sintonia com a Palavra de Deus como inspiração para o nosso caminhar. Cada dia, ela nos faz ver os passos de Jesus se fazendo presente entre nós, levando-nos ao encontro com o Deus da vida. O Senhor visitou o seu povo e fez morada definitiva em nossa história de vida. “Onipotente e bom Senhor! A ti a honra, a glória e louvor!” Assim rezava São Francisco de Assis.

Rezar como lugar de encontro com Deus. Fazer da oração um momento para estar a sós com o Senhor, num diálogo de entrega e confiança em suas mãos. Deixar-nos abandonar nos braços do Paí, como Jesus, que rezava sempre. Mais do que recitar um amontoado de palavras mecanicamente, na oração abrimos o coração para a escuta atenta do Senhor que nos fala, através dos fatos da vida e nas pessoas mais necessitadas do nosso cuidado.

Sigo daqui, pisando em solo goianiense. Acordei muito cedo e desta vez rezei a caminho do consultório do cardiologista. Acostumado a estar no meio dos povos Indígenas, a cidade grande me assusta com o seu modus vivend. Nela, as pessoas estão sempre apressadas e não se olham nos olhos. É como se elas não tivessem rosto. A impessoalidade dá lugar a uma convivência amistosa, contrariando o espírito de irmandade a que somos chamados a construir entre nós.

Enquanto aguardava o chamado para o meu atendimento médico, me vi driblando o corretor do celular, rabiscando mais una página dos meus escritos diários. Inadvertidamente me veio à mente uma das falas do Papa Francisco, por ocasião de sua homilia proferida em 2018, em que ele dizia: “A injustiça é a raíz perversa da pobreza”. Sua linha de raciocínio vinha confirmar a dinâmica de uma sociedade em que o clamor dos pobres não se faz ouvir, enquanto uma minoria, cada vez menor, vive da riqueza acumulada absurdamente, fruto da sua ganância e exploração dos pequenos.

A lei da vida é o propósito maior de Deus para conosco. A lei, no meio de nós deve estar para que a vida tenha prevalência e plenitude. Nenhum de nós foi projeto para viver de forma diminuta. Criados a imagem e semelhança de nosso Criador, aqui viemos para alcançar o sonho de Deus, sendo plenos em nossas realizações. Quando a lei falha nesta dinamicidade, e não atende aos interesses humanos, ela deixa de ser lei e vira castigo.

Ao afirmar Jesus que “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27), como a liturgia hoje nos provoca, Ele quer que saibamos que a lei foi feita para promover o bem estar das pessoas, e não o seu contrário. A lei precisa estar a serviço das pessoas, garantindo-lhe a vida em sua plenitude. O centro da obra de Deus é a pessoa humana. Desta forma, não se trata de estreitar ou alargar a lei, mas dar um sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas.

Para o cristão, toda lei que oprime as pessoas e é contra a vontade de Deus deve ser abolida. O princípio fundamental da lei é a busca da justiça. A lei tem que ser justa, sobretudo para o próximo que é massacrado e excluído. Neste sentido, o próximo não é aquele que está próximo de nós, mas aquele de quem dele nos fazemos próximos.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.