Libertação total

Terça feira da quarta Semana do Tempo Comum. Chegamos ao final do primeiro mês desta nossa jornada. Janeiro entregando o bastão à fevereiro. Seguimos na nossa caminhada acreditando sempre que o dia de amanhã será melhor que o de hoje. Ter a esperança como virtude, não como alguém que fica esperando, mas na perspectiva freiriana de que vamos ao encontro dela construindo um dia de cada vez, dando o melhor que podemos ser. Ver o amanhã na mesma perspectiva do mineiro Chico Xavier que dizia: “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.

Infelizmente, no dia de ontem não tive como praticar o “ofício de rabiscar”. Uma queda veemente no sistema de energia nos deixou boa parte do dia sem ela. Tal situação fez aumentar ainda mais em mim um espírito de nostalgia que me fez rezar relembrando a minha trajetória de vida estando aqui na Prelazia de São Félix do Araguaia. A saudade dos bons tempos veio a tona, transitando na memória alguns acontecimentos que vivenciei a serviço desta Igreja, tendo Pedro como o nosso timoneiro. Fiz jus a ordem do dia, pois em 30 de janeiro, celebramos o Dia da Saudade, sendo um momento específico para homenagear aquelas pessoas que são especiais e que fazem parte das nossas vidas.

Todavia, nem tudo foi de alegria no dia de ontem. Fizemos a memória do assassinato de Mahatma Gandhi, ocorrido em 1948. Este grande líder Hindu foi assassinado por um hinduísta fanático. Tudo porque Gandhi se empenhara em vida com meios pacíficos para que a Índia se tornasse independente. Seu assassino, um nacionalista hindu fizera a proeza de tirar a vida de Gandhi, acusando-o de ser o responsável pela separação da Índia e do Paquistão. Como bem expressou à época o primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru: “A luz se foi de nossas vidas”. A morte violenta de Gandhi contribuiu para reforçar ainda mais a figura deste grande homem como o “pai da nação indiana”.

Mas a terça feira veio radiante como um belo dia de verão. Depois de várias manhãs sem que o astro rei se impusesse absoluto, hoje ele se encarregou de mostrar a cara logo cedo. Meu quintal amanheceu em festa no formato de serenata proporcionada pela passarada alegre e feliz cantarolando. Deus se fazendo presença viva nas suas criaturas, anunciando mais um dia em nossas vidas. Deus apostando suas fichas em nós de que faremos diferente o novo dia que se apresenta. Ainda relembrando o mestre Chico Xavier, “cada dia que amanhece assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos, ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã”. Um dia de cada vez para viver na intensidade última.

Um amanhã que desponta, renovando em nós a perspectiva da vida no que diz respeito às nossas realizações pessoais. Cada passo dado a cada dia nos leva ao encontro dos nossos sonhos. Um caminhar que se faz em direção aos desafios que nos são propostos e dos quais não há como fugir. Somos desafiados permanentemente a ir “para a outra margem”, como o texto do Evangelho que a liturgia deste dia nos propõe refletir. A outra margem é a “terra do conflito”, onde Jesus mais uma vez se coloca: terra dos gentios, dos pagãos, daquela gente desclassificada pelas autoridades da Palestina do Tempo de Jesus. Passar a outra margem, mais do que um lugar geográfico é um espaço teológico da manifestação de Deus em meio aos marginalizados e excluídos. Jesus que sai de si e vai ao encontro dos mais necessitados de sua presença libertadora.

A missão de Jesus entre nós é “restaurar” as pessoas na sua vida total. Não somente libertá-las das suas doenças que as diminui e exclui do convívio social, mas também salvá-las da morte, que as exclui da vida antes do tempo, prematuramente. Libertação total em meio a um contexto em que a morte impera, ameaçando a vida dos pequenos. A outra margem se faz desafio para todos nós. Sair da zona de conforto e nos colocarmos em meio ao conflito. Somos também chamados a caminhar com Jesus pelos caminhos do desconhecido e invisibilizados, perante as estruturas de uma sociedade que prioriza o ter em detrimento do ser. Sociedade que arquiteta a morte dos pequenos, impedindo-os de realizarem enquanto filhos e filhas de Deus. Como seguidores e seguidoras de Jesus, tenhamos confiança em sua palavra quando Ele mesmo nos e diz: “Não tenhas medo. Basta ter fé!” (Mc 5,36)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.