A fé de adesão

Quinta feira da Quinta Semana do Tempo Comum. O horizonte do nosso caminho vai se abrindo na medida em que vamos avançando na busca dos nossos ideais. Cada passo dado nos coloca na dinâmica da vida que precisa encontrar realizações. Sonhos e ideais se fazendo na história de nossas vidas. Nascemos para progredir e avançar em direção aos desejos de vida plena. Deus nos criou na sua ternura amorosa para que sejamos plenitude de amor em nossas realizações. Como nos diria o poeta libanês Khalil Gibran (1883-1931): “O Amor não tem outro desejo senão o de atingir a sua plenitude”.

Plenitude da vida que vai renovando a cada momento. O dia de hoje não é o de ontem e nem será o de amanhã. Cada dia é único, cabendo-nos viver o momento presente. Como afirmava o filósofo pré-socrático Heráclito: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Assim como a água do rio, o nosso ser de hoje não é mais o de ontem. Dentro da concepção filosófica, a nossa vida é regida pela dialética, numa frequente luta de opostos. Somos frutos da mudança permanente. Neste sentido, o Dalai Lama nos ajuda a refletir quando diz: “Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”.

Esta é a vida que vou dedilhando aqui pelas bandas do Araguaia. Sempre agradecendo a Deus pelo dom de estar vivo. Nesta manhã, no meu dialogar com Deus, fiz questão de agradecê-lo por eu ser quem sou e como sou, mas também pela história de vida que venho tecendo ao longo desta minha caminhada. Sou um ser privilegiado por ter nascido e vivido no momento histórico do mundo em construção que me coube viver. Cada passo da minha história de vida foi dado baseado nas convicções e valores que aprendi cultivar, na defesa intransigente da vida para todos. Errei e acertei no esperançar de resistência e teimosia, sem jamais desistir dos meus sonhos.

Nesta minha sintonia em diálogo com o Criador, no amanhecer deste dia, contemplei cada passo dado por Jesus, que no dia de hoje a liturgia se encarrega de nos mostrá-lo na região de Tiro e Sidônia. De nada adiantou querer se esconder na casa de uma das pessoas desconhecidas, pois logo o descobriram ali. Ele está na terra dos pagãos. Tiro é uma cidade estrangeira. Não pertence a Israel e sendo assim, não professa a fé no Deus de Israel. Cidade esta que fica ao norte da Galileia, à beira mar, na direção oposta à de Jerusalém. Jesus que se põe a caminho, no seu compromisso com o Reino de Deus, indo ao encontro daqueles que esperam por sua palavra, mesmo sendo pagãos.

Esta passagem do Evangelho de Marcos deixa claro para nós que a salvação trazida por Jesus não é privilégio de um povo determinado, mas é para todos e todas aqueles e aquelas que acreditam n’Ele e na sua missão, mesmo que sejam considerados como “cães”, isto é, “estrangeiros”. Assim sendo, não é mais a raça e o sangue que unem as pessoas a Deus, mas a fé em Jesus e no mundo novo e transformado que Ele desperta. Aquela pobre mulher que busca Jesus traz em si a fé como o desejo do encontro com o Mestre Galileu. O seu desejo de crer já é fé. Mas ela dá um passo posterior e surpreende Jesus, passando de uma fé de desejo para uma fé de adesão. O seu engajamento com a proposta de Jesus fica claro quando ela diz: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair”. (Mc 7,28)

Com sua atitude firme e decidia, numa clara demonstração de fé, aquela mulher pagã desconcerta Jesus. A proposta de Deus é não deixar ninguém de fora do seu sonho de libertação. No Reino de Deus, não há “filhos e cachorrinhos”, melhores e piores, puros e impuros, mais santos e mais pecadores, dignos e indignos. Somente filhos e filhas do mesmo Pai, convidados e convidadas ao farto banquete de sua palavra e de sua vida divinamente plena. Se todos os alimentos são puros (Mc 7,19), muito mais puras e dignas são as pessoas, todas elas. Como a experiência daquela mulher pagã, não basta crer nisso, mas é preciso passar da fé do desejo para uma fé de adesão à Jesus. De outra maneira, até mesmo aqueles e aquelas mais aparentemente distantes, pagãos, impuros e indignos, trazem em si a marca indelével de filho e filha muito amados do Pai.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.