Quinta feira depois das Cinzas. Entramos na Quaresma. Um tempo especial para nos prepararmos para a Páscoa do Ressuscitado. Um longo caminho pela frente, a exemplo do Povo Israelita que, livres da escravidão no Egito, caminhou por quarenta anos deserto adentro, rumo à Terra Prometida, conduzidos pelo Senhor para tomar posse da terra de Canaã, que era a terra que tinha sido prometida a Abraão, Isaac e Jacó e sua posteridade para sempre, como está descrito nos capítulos 13 e 14 do Livro dos Números, que faz parte do Pentateuco (cinco primeiros livros do Antigo Testamento).
Estamos iniciando também a Campanha da Fraternidade 2023. O tema é “Fraternidade e Fome”, cujo lema é a citação do versículo extraído do Evangelho de Mateus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. (Mt 14,16) Uma campanha que teve o seu início a nível nacional no ano de 1964, há 59 anos, já nos finalmente do Concilio Vaticano II (!962-1965) A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou naquele ano a campanha com o tema “Igreja em Renovação”. De lá para cá, a Campanha da Fraternidade, que acontece sempre no período quaresmal, como um grande convite a nos convertermos para a prática da justiça social, da solidariedade, da partilha e do amor ao próximo. A cada ano se escolhe um tema específico para ser refletido na Campanha da Fraternidade, numa forma de transformar em ação concreta os atos de solidariedade. Gestos que podem transformar realidades de dor e sofrimento em possibilidade de esperança para muitas pessoas.
A despeito de todo o esforço da CNBB, em fazer acontecer na nossa realidade histórica as diretrizes afirmativas do Concílio Vaticano II, no que diz respeito à Doutrina Social da Igreja (DSI), um setor ultraconservador, inexpressivo, mas barulhento da Igreja, tem se esforçado em difamar a Campanha da Fraternidade, os bispos brasileiros e até o Papa Francisco. A temática da fome, tão presente em nossa realidade, como propõe a campanha, não diz nada para esta gente na sua idiotice alienada. Talvez porque façam parte daquele seleto grupo dos mais abastados em que a fome não chega às suas mesas como um clamor das 33 milhões de pessoas que vivenciam no seu dia a dia esta triste realidade.
Quando se tem pessoas passando fome entre nós, significa que não estamos sendo fraternos. Uma sociedade que convive com a realidade da fome e trata deste assunto com indiferença, não pode ser uma sociedade humanizada, muito menos cristã. Perdemos a nossa essência maior do amor que é a vida em plenitude, a qual fomos pensados, idealizados e criados dentro do sonho de Deus. Ninguém nasceu para passar fome. Ninguém nasceu para morrer de fome. Se ela existe é porque uns tem demais e outros de menos. Como diz o escritor suíço e ex-vice-presidente do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Jean Ziegler: “Cada um de nós é responsável por cada criança que morre de fome”.
Por incrível que pareça, no dia de hoje se comemora o “Dia da Sedução”. Uma data para celebrar o amor e a paixão que trazemos dentro de cada um de nós. Mas não somente em relação aos casais apaixonados, mas com o desafio de entender a sedução também na perspectiva do profeta Jeremias: “Seduziste-me Senhor, e eu me deixei seduzir”. (Jr 20,7). Deixar-nos seduzir pela amorosidade e ternura de Deus. Deixar-nos seduzir pelo Projeto de Deus revelado em Jesus. Uma forma de sedução como passo decisivo para o discernimento na vida. Deixar-nos seduzir como Jeremias que se entrega à missão profética. Mesmo nas dificuldades, ter a confiança necessária para perceber que Deus está ao nosso lado, amparando-nos com sua presença e força. No caminhar com Jesus, a sedução me veio com o coração da floresta pulsando dentro de mim, me fazendo um defensor das causas indígenas.
Fazer o caminho da cruz “como” e “com” Jesus: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me”. (Lc 9,23) Parece contraditório que alguém busque a felicidade e a realização humana, assumindo a cruz do sofrimento. Jesus faz o convite a todos aqueles e aquelas que desejam fazer parte do seu discipulado. Isto requer uma atitude de entrega total de si mesmo. Se a cruz é sinal de castigo e escândalo (contradição), na pessoa do Ressuscitado ela se transforma na redenção: a vitória da vida sobre a morte. Assim, quem quiser acompanhar Jesus na sua ação messiânica e participar da sua vitória, terá que percorrer caminho semelhante, renunciando a si mesmo e às glórias do poder e da riqueza. De sedução em sedução! Deixar-nos seduzir pela força do Mistério Pascal, mesmo que passando pelo caminho da cruz. Mais do que contradição, o caminho da cruz é libertação, como o apóstolo Paulo mesmo assim o confirma: “por iniciativa de Deus que vocês existem em Jesus Cristo, o qual se tornou para nós sabedoria que vem de Deus, justiça, santificação e libertação”. (1Cor 1,30)
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.