Primeiro Domingo da Quaresma. Depois de sete domingos em que o Lecionário Litúrgico nos trouxe o “Tempo Comum”, iniciamos no dia de hoje os Domingos da Quaresma. Quarenta dias que antecedem a principal festa do cristianismo que é a Páscoa, a Ressurreição de Jesus. Desde o século IV da era cristã, celebramos desta forma. A Quaresma que neste ano teve o seu início na Quarta feira de Cinzas (22/02) terminará antes da Missa Lava-pés, na Quinta feira Santa (06/04). Um tempo oportuno para nos posicionarmos, através de uma fé consciente e participativa, frente aos desafios do ser cristão na realidade que nos cerca.
Quaresma é tempo de recolhimento, de reflexão, de tomada de decisão em favor da vida. Fomos criados à Imagem e semelhança de Deus (Gen 1,26-28), para alcançar a plenitude da vida. Tudo o que for contrario a isto, fere o sonho e os desígnios de Deus ao nos criar. Jesus veio reforçar esta ideia, trazendo-nos o plano da amorosidade de Deus, fazendo-o acontecer na história humana. (Jo 10,10) O Verbo encarnado é a presença viva de Deus em nós, direcionando-nos para as nossas realizações pessoais e comunitárias. Como diz a frase de um autor desconhecido que eu assinaria embaixo: “Nascemos sem trazer nada, morremos sem levar nada… E, no meio do intervalo entre a vida e a morte, brigamos por aquilo que não trouxemos e não levaremos”.
Viver na imensidão da plenitude é o desafio maior de todos nós. “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, já cantava Gonzaguinha (1945-1991). Viver com fé. Viver com a mesma fé de Jesus: uma fé libertadora. Uma religião também libertadora. Viver sem cair na tentação de querer a vida somente para alguns. Todos temos esta mesma sede de viver na intensidade à que fomos criados por Deus. Não sucumbir à tentação de querer a vida para uns poucos, enquanto a imensa maioria está perdendo-a, em virtude de uma sociedade que não sabe partilhar o dom da vida para todos e todas. Diante deste contexto devemos sempre nos perguntar: quais têm sido as nossas tentações cotidianas? Como tenho reagido diante delas? Elas atropelam a nossa fé? Saímos fortalecidos a cada vez que passamos por elas?
De tentação em tentação! Esta tem sido a dinâmica da vida nos tempos atuais. Apesar da fé libertadora de Jesus, há entre nós a força demoníaca do divisor. O “diabo” se faz presente dentro de nós. “Diabo” que é uma palavra originária do grego “Diábolos”, como aquele que “divide”, “desune”, “inspira ódio”, “inveja”, “calúnia”, “mentira”. A tentação que divide e nos enfraquece, como se a nossa fé não fosse provada no fogo do Espírito que vem de Deus (Mt 3,11). As tentações fazem parte da vida de todo àquele/a que crê. Sucumbir a elas demonstra a nossa fraqueza em seguir os mesmos passos de Jesus. Ele também foi tentado e não se deixou seduzir pelo poder diabólico do mal.
A liturgia deste Domingo traz para nós um pouco desta experiência de Jesus, frente às tentações. (Mt 4,1-11). O evangelista Mateus enumera as três tentações de Jesus: agir se colocando no lugar de Deus modificando a realidade em benefício próprio; adorar poderes e glórias humanas em lugar de Deus; provocar e esperar infantilmente a intervenção divina e milagrosa de Deus. Na concepção de Mateus, Jesus é tentado de falsificar a própria missão, realizando uma atividade que só busque satisfazer às necessidades imediatas: prestígio, poder, riquezas. Todavia, Ele resiste a todas elas, colocando-se no seu lugar de enviado de Deus, trazendo para a humanidade o Projeto de Deus da vida plena para todos.
Lembrando que Jesus foi levado para o deserto. Mais do que um lugar geográfico, estamos falando de um “lugar teológico”. Lugar das tentações e provações, como foi na experiência do povo israelita do Antigo Testamento, mas também lugar de afirmação da fé e do compromisso com Deus na pessoa de todos os que sofrem violação humana. Se no deserto temos um pequeno resumo dos conflitos que Jesus vai experimentar em toda a sua vida, também é verdade que sai dele convicto de estar à serviço do Projeto de Deus, enfrentando o representante das forças do mal que escravizam as pessoas. Assim como Deus sustentou Jesus na sua caminhada, Ele também nos sustentará na nossa caminhada pela vida, se mantivermos a firmeza nas convicções de nossa fé. Uma fé libertadora de uma religião também libertadora. Como diria o Padre Zezinho: “É por causa do meu povo machucado. Que acredito em religião libertadora”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.