A espiritualidade do cuidado

Segunda feira da Primeira Semana da Quaresma. Fevereiro vai se despedindo de nós, deixando para trás um rastro de destruição decorrente da quantidade de chuva que caiu sobre algumas regiões, deixando várias famílias desabrigadas de suas casas. Sofrimento, dor e morte de algumas pessoas, soterradas pela avalanche das encostas que desceram sobre suas casas. Triste cenário de se ver com as famílias mais pobres sendo as vítimas a cada ano. Como bem disse Nelson Mandela: “A pobreza não é um acidente. A pobreza foi criada pelo homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos”.

A segunda iniciando a semana nos trazendo uma boa notícia. Na data de hoje se comemora “O Dia do Livro Didático”. Uma das ferramentas essenciais para a educação dos nossos alunos. O Livro Didático é um compilado de informações que ajuda enormemente no processo de ensino aprendizagem em sala de aula. O Brasil figura entre os países em que o Livro Didático é considerado como um dos melhores do mundo. Uma história que começou em 1929, mas que a partir de 1985, o Brasil mantém o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que fornece gratuitamente todos os livros didáticos para os alunos das redes públicas de ensino de todo o país. Como diz a ativista paquistanesa Malala Yousafzai: “Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”. Oh se pode!

O Livro Didático também nos ajuda a desconstruir vários conceitos que foram sendo passados de forma equivocada ao longo da história do processo colonial: contada pelos vencedores. Descolonizar é preciso! Um dos conceitos que faz parte da nossa herança colonial perversa é o de que a nossa Mãe é portuguesa. Nada disso! Nossa Mãe é indígena! Nossa Mãe é quilombola! Nossa Mãe é Ancestral! A “Mãe portuguesa” só nos trouxe saque, exploração, sofrimento, dor e morte de negros e indígenas. O “Descobrimento” foi uma grande farsa. Habitavam estas terras perto de 6 milhões de povos originários e, cerca de 7 milhões de negros, foram tirados de suas terras, na Mãe África, e para cá trazidos a força, razão pela qual o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 54,% da população brasileira é negra.

O Tempo da Quaresma segue ditando a nossa experiência de fé à luz da Palavra de Deus. No dia de hoje tomamos contato com o texto do Evangelho de Mateus que nos traz o conteúdo do “Juízo Final” (Mt 25,31-46). É a primeira e única vez em todo o Novo Testamento que aparece de forma tão transparente o conteúdo do julgamento final de toda a humanidade. Na concepção da comunidade de Mateus, o julgamento será sobre a realização ou não de uma prática de justiça em favor da libertação dos pobres e oprimidos, baseado na prática de Jesus: “cumprir toda a justiça” (Mt 3,15).

A fé engajada e comprometida nos impele a ter uma espiritualidade libertadora. A espiritualidade do cuidado, conforme nos alertou Jesus: “Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40) Espiritualidade feita com discernimento da prática do cuidado para com o outro necessitado. Um compromisso que se faz através de uma prática solidaria e libertadora indo à raiz da pobreza. O cristão seguidor de Jesus precisa estar antenado com a prática do Mestre Galileu, sendo um instrumento de transformação da realidade causadora da pobreza. Espiritualidade do cuidado com a vida de todos os seres. Indo nesta direção faz sentido a frase dita pelo padre Júlio Lancellotti: “Defender os pobres, oprimidos e marginalizados é seguir Jesus”.

A generosidade de Deus é repleta de amor por nós. Ele quer que todos e todas sejamos salvos. Seremos julgados pela fé/amor que tivermos em Jesus de Nazaré. Uma fé concreta que passa pela vida do outro que está ao nosso lado. A nossa espiritualidade deve refletir este compromisso com a pessoa do irmão e da irmã que está necessitando da nossa ajuda. Ser solidários das causas dos pequenos: “As mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam”. (Madre Teresa de Calcutá) Rezar com a prática concreta da pedagogia do cuidado. Oração na ação! Oração que brota do compromisso com o irmão, pulsando no coração em gestos concretos de acolhida e solidariedade. Como diria o cantor e compositor Fernando Mendes: “Não adianta ir a igreja rezar e fazer tudo errado”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.