O Deus dos pequenos

Quinta feira da Primeira Semana da Quaresma. Março chegou e vai ditando o ritmo das nossas vidas. Com a estação do verão se fazendo presente, as chuvas tornam-se mais “cabulosas”, com ventos, trovões e relâmpagos, nos assustando a todos. Também aqui pelas bandas do Araguaia esta tem sido a tônica das tardes/noites. O Araguaia, majestosamente, segue colhendo as águas da chuva e entregando-as em direção ao Rio Tocantins. Uma imensidão de água emoldura os nossos olhares contemplativos de quem não se cansa de apreciar as maravilhas de Deus presentes na Mãe Natureza. “Araguaia, meu Araguaia de mistério e de temor”.

Rezei nesta manhã tendo este cenário como prisma do meu olhar meditativo. Entre um “banzeiro” (ondas) e outro, embriaguei o meu olhar com o sol nascendo de dentro da Ilha do Bananal. A vida brotando da terra em forma de raios dourados, colorindo os nossos sonhos de esperança. O olhar de Deus mirando-nos através daquela bola redonda avermelhada saindo do chão, fazendo nascer mais um dia em nossas histórias de vida. A escuridão da noite dando lugar à luz do novo dia, oportunizando o nosso fazer diferente, pois cada dia é único e requer atitudes novas.

Cantarolei no meu íntimo uma das canções que fizeram parte do nosso cancioneiro nas CEBs na década de 1960: “Tu és o Deus dos pequenos. O Deus humano e sofrido. O Deus de mãos calejadas. O Deus de corpo sofrido”. Assim é o nosso Deus que se faz presente n história de nossas vidas. Um Deus que olha para a realidade de seu povo sofrido e se faz presente em sua história de vida. Como não ver Deus presente, por exemplo, na triste história das famílias resgatadas de trabalhos análogos a escravidão no Sul do país nestes últimos dias? É, mas não foi assim que viu um infeliz vereador.

Toda a forma de amar vale a pena! “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”, dir-nos-ia o poeta Fernando Pessoa. Quando inquirido acerca de como viver o primeiro mandamento do Decálogo, Jesus fez uma complementação significativa: “Ame ao seu próximo como a si mesmo”. (Mt 22,39) A condição primeira que alguém precisa ter para amar outro alguém é a de amar a si mesmo. Quem não si ama, jamais será capaz de amar quem quer que seja. Jesus resume assim a essência e o espírito da vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com entrega total de si mesmo e ao próximo como a si mesmo, isto é, a relação num espírito de fraternidade e não de opressão ou de submissão.

Como amar a si mesmo? Como amar o próximo nesta mesma dimensão? Somente através do espírito de oração e entrega total de si mesmo a Deus e ao outro. É exatamente o que Jesus está tentando fazer os seus discípulos entenderem através do texto que hoje a liturgia nos propõe refletir (Mt 7,7-12). Jesus ensinando mais uma vez os seus a rezar. Oração que brota de dentro e se expressa em forma de palavras de dialogo com Deus. Sintonia que se faz com o coração por intermédio das palavras pronunciadas: “pedir”, “procurar”, “bater”. Três verbos distintos que podem fazer parte da oração que fazemos, mas tendo uma boa compreensão e interpretação deles.

A oração é a força que vem de Deus e que mantém viva a nossa fé. Na compreensão de Jesus, a oração é a expressão da nossa relação filial com o Deus da amorosidade como o único absoluto. Jesus inclusive nos orienta: “Quando vocês rezarem, não sejam como os hipócritas, que gostam de rezar em pé nas sinagogas e nas esquinas, para serem vistos pelos homens. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. Ao contrário, quando você rezar, entre no seu quarto, feche a porta, e reze ao seu Pai ocultamente; e o seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.” (Mt 6,5-7).

Rezar sempre se sem cessar! Rezar com a confiança necessária de saber que Deus escuta o nosso clamor. “Pedir”, “procurar” e “bater” a porta, manifestando a Deus os nossos anseios e as nossas angústias, mas sem querer ter a pretensão de manipular a vontade Deus à nosso favor e aos nossos interesses pessoais. Receber de Deus aquilo que desejamos é estar pronto a dar também ao outro aquilo que queremos para nós: “Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. Nisto consiste a Lei e os Profetas”. (Mt 7,12) A “Lei e Profetas” estava presente em todo o Antigo Testamento. Era uma “regra de ouro”, convidando as pessoas a terem para com os outros a mesma preocupação que temos espontaneamente para com nós mesmos. Esta é a regra básica da compreensão que devemos ter da amorosidade do Pai para como todos. Um Deus que ama infinitamente cada um dos filhos seus. Resta-nos dizer com salmista: “Ó Deus, cria em mim um coração puro, e renova no meu peito um espírito firme. Não me rejeites para longe da tua face, não retires de mim teu santo espírito. (Sl 50,12-13)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.