Sexta feira da Segunda Semana da quaresma. Acordar a cada manhã e saber que estamos vivos é uma dádiva de Deus. Mais uma chance que Ele nos concede para que assim possamos dar o melhor de nós. De desafio em desafio vamos desenhando o nosso desempenho na caminhada da vida, buscando a nossa conversão. Mudança necessária, já que desinstalar é preciso para que assim possamos ir ao encontro do outro, nosso irmão, nossa irmã e com eles traçarmos juntos o caminho da vida plena para todos. Caminhando e rezando na perspectiva do salmista: “Os humildes receberão a terra por herança e desfrutarão de pleno bem-estar”. (Sl 37,11)
Dia 10 de março. Dia de fazermos a memória do martírio de mais um seguidor de Jesus de Nazaré. Neste dia, no ano de 2013, era assassinado brutalmente na casa paroquial da cidade de Angical, na Bahia, o padre Reinan Valete aos 52 anos. Padre Reinan era um sacerdote pertencente a diocese de Ilhéus, BA. Ele inquietava os poderosos com o seu trabalho à frente das comunidades, como coordenador das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Bastante empenhado nas pastorais sociais e nos movimentos populares, padre Reinan incomodava, como o próprio Jesus incomodou a classe dirigente de sua época que o levou à cruz. Padre Reinan, presente na caminhada!
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, canta Caetano Veloso em sua canção “Dom de Iludir”. Ser o que se é, aqui e em qualquer lugar. Ser quem somos nós, sem fingimento ou falsidade. Os dias atuais requerem que sejamos autênticos no nosso jeito normal de ser. Não ser o que não se é. É assim na vida, é assim também na vivência de nossa fé. Quanto a isso, bem que Jesus nos deu uma dica valiosa: “Seja quente ou seja frio. Não seja morno, senão te vomito”. (Apoc 3,16). A autenticidade no jeito de ser está ligada a fuga constante da auto-suficiência de quem não é capaz de somar e ficar unido à proposta de Jesus.
A experiência de fé nos mostra que devemos estar sempre em movimento. Somos seres dinâmicos. A dinamicidade da vida cristã requer sempre um sair de nós mesmos para alcançar um horizonte maior de perspectiva na procura do Reino. Reino que já está aqui e agora, mas que ainda não na sua plenitude, que acontece na medida em que vamos fazendo acontecer, por meio das nossas ações. Reino de justiça e de paz. Reino do Bem viver, onde “o amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se abraçarão. A fidelidade das pessoas brotará da terra, e a justiça de Deus olhará lá do céu. O SENHOR Deus nos dará o que é bom, e a nossa terra produzirá as suas colheitas. A justiça irá adiante do SENHOR e preparará o caminho para ele”. (Sl 85, 10-13)
Esta é também a proposta que Jesus nos faz através do texto do Evangelho que a liturgia de hoje nos apresenta (Mt 21,33-43.45-46). Mais uma vez o Mestre esta frente a frente com os chefes dos sacerdotes e anciãos do povo. Uma gente de cabeça dura e intransigente. Gente de mentalidade fixa e comprometida com a exploração dos pequenos, sem querer passar pelo processo de conversão, rejeitando veementemente a proposta trazida por Jesus. Ao contar-lhes uma parábola, Jesus desnuda a estrutura da sociedade a qual estavam ligados aqueles dirigentes. O que Jesus tenta lhes dizer, sem muito sucesso, é que a formação de um novo povo de Deus, será a partir de agora constituído por todos aqueles e aquelas que acreditam e se comprometem com Ele.
Rejeitar Jesus é rejeitar o Reino. Jesus é rejeitado pela classe dirigente de seu tempo. Jesus é também rejeitado pela classe dirigente dos dias de hoje. Ele continua sendo rejeitado por todos aqueles que não aceitam a proposta do Reino em que a vida é para todos. Não devemos nos esquecer que na Palestina no tempo de Jesus o Templo havia se tornado lugar de roubo. As autoridades (chefes dos sacerdotes, doutores da Lei, anciãos do Sinédrio) exploravam e oprimiam os pequenos, apoderando-se daquilo que pertence a Deus. Situação também denunciada pelos profetas do Antigo testamento. Depois de muitos profetas que pregavam a justiça (empregados), Deus envia o próprio Filho com o Reino. A rejeição e morte do Filho trazem a sentença: o povo de Deus, agora congregado em torno de Jesus (pedra), passa a outros chefes, que não devem tomar posse, mas servir. A missão agora é servir e servir. Como diria o indiano Mahatma Gandhi (1869-1948): “Quem não vive para servir, não serve para viver”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.