Reflexão: Liturgia do III Domingo da Páscoa,
Ano A – 23/04/2023
Na Liturgia deste III Domingo da Páscoa, veremos, na 1a Leitura (At 2, 14a.22-33), que Pedro apresenta o anúncio fundamental da Igreja: Cristo ressuscitou! Mas, se Cristo ressuscitou, que sentido tem sua vida e sua morte? Mantendo a memória do testemunho de Jesus, a Igreja relê o Antigo Testamento e percebe o mistério central da vida, morte e ressurreição de Jesus. Recebendo o Espírito que dirigiu toda a missão de Jesus, a Igreja se torna testemunha da sua ressurreição: “Vós sereis minhas testemunhas” (At 1,8). O anúncio é, ao mesmo tempo, a denúncia e o julgamento de toda estrutura injusta, sempre causadora de morte. Deus condena essa estrutura, pois ressuscita Jesus e o torna Senhor do universo e da história.
Na 2ª Leitura (1Pd 1, 17-21), Pedro lembra aos fiéis a atitude de temor filial que devem ter em relação a Deus. O clima da vida cristã é apresentado aqui como permanente conversão: de escravos do mundo e das paixões, os cristãos foram libertos, por Cristo, para serem os filhos de Deus que se reúnem formando uma nova família.
No Evangelho (Lc 24, 13-35), Lucas salienta os ‘lugares’ da presença de Jesus ressuscitado: 1º) Jesus continua a caminhar entre os seres humanos, solidarizando-se com seus problemas e participando de suas lutas. 2º) Jesus está presente no anúncio da Palavra das Escrituras, que mostra o sentido da sua vida e ação. 3º) Jesus está presente na celebração eucarística, na qual o pão repartido relembra o dom da sua vida e refontiza a partilha e a fraternidade, que estão no cerne do seu projeto.
A partir deste texto (Lc 24, 13-35), vejamos como ter maior proveito na leitura da Bíblia, lembrando que haviam matado Jesus e, junto com Ele, a esperança dos seus discípulos:
1º) Metodologia de Jesus com os discípulos de Emaús
– Ver (13-24): Abordagem inicial – a vida. Fazem uma reflexão sobre a realidade, cria-se um ambiente de diálogo e amizade e, nisto, aparece o que estavam sentindo: tristeza, desânimo dos discípulos, denúncias, frustração com o projeto político etc. Jesus aproxima-se, questiona-os e caminha com eles.
– Julgar (25-27): Exposição de Jesus – a Palavra. Fazem um estudo da própria Bíblia: para dar coragem, para dar forças, para enfrentar os problemas, para trazer à luz o reencontro e a vida.
- a) Estudo da Bíblia para confrontar com a realidade: Esse é o projeto de Deus?
- b) Descobrir a ação de Deus na história, para mudar a mentalidade.
- c) Usa a Bíblia para animá-los, dar coragem, forças, luz, para reencontrar a vida.
– Celebrar (28-32): Eucaristia – Sacramentos. Experimentam uma vivência comunitária da fé na ressurreição; então, Cristo ressuscitou no coração deles. Na partilha do pão, seus olhos se abriram.
- a) Vivência fraterna, comunitária, gestos de amizade, partilha, comunhão.
- b) Oração, interiorização e vivência no encontro com Cristo: sentem o coração arder, abrem os olhos e mudam a mentalidade.
– Agir (33-35): Vivência comunitária na fé e ressurreição. Experimentam a ressurreição nos gestos e, por isso, voltam a “Jerusalém” (comunidade, compromisso). A conversão (no coração) é o maior milagre (mudança) que poderá acontecer na vida de um ser humano. Levam para a vida o que foi assimilado. Vivência transformada. Inicia-se a missão, testemunho.
2º) Metodologia de um agente de pastoral quando está num Grupo de Reflexão, num Encontro de Catequese, numa Reunião Pastoral ou num Grupo de Oração
Qual metodologia um agente de pastoral deve usar?
É a mesma de Jesus. Jesus estava comprometido num Projeto de libertação integral do ser humano, por isso ia ao encontro dos mais excluídos (povoados, periferias, margem). Lá Ele vê melhor a realidade, isto é, a condição das pessoas: cansadas, abatidas, como ovelhas sem pastor (sem rumo etc.). Então, Ele chama mais pessoas para este projeto. A Igreja, como continuadora de sua missão, tem aqui sua orientação e o lugar social para seu agir.
Atualmente, o método mais usado pela Igreja, e, também usado no Documento de Aparecida, é o VER, JULGAR, CELEBRAR, AGIR e AVALIAR. A sua aplicação vem gerando uma maior consciência crítica e despertando para ações conjuntas e transformadoras da realidade. Este método começa sempre pelos desafios da realidade e não, necessariamente, pelos grandes princípios da teologia.
O método é o caminho que o coordenador percorre para educar o povo na fé e na vida; os meios didáticos são recursos materiais de trabalho, exemplos: cartazes, símbolos, livros, meios naturais etc.
Especifiquemos cada parte deste método:
1º) Ver: o ‘ver’ é o informar a realidade em que se vive por meio de pesquisas, estudos e encontros comunitários. A primeira e mais importante etapa do educador da Fé é VER a realidade do Povo. Mas ver o quê? A situação concreta em que o povo se encontra, suas causas, e os remédios certos que podem libertá-lo da escravidão e do sofrimento (Mt 9,35ss). Conhecer para transformar.
É preciso ver e crer, não basta olhar a realidade, é preciso assumir o que se vê. A realidade deve ser vista nos seus aspectos: Políticos, Econômicos, Culturais, Sociais e Religiosos.
Político: comprometer-se com a mudança da sociedade;
Econômico: interessar-se pelos assuntos econômicos do País. O educador da fé, como Jesus, tem de denunciar as injustiças e construir uma sociedade mais justa;
Social: saber por que os pobres vivem debaixo das pontes, nos barracos, sem asfalto, sem luz, sem água, sem esgoto, sem hospitais etc., enquanto uma minoria de pessoas possui quase toda a riqueza do país;
Cultural: os traços que identificam um povo: seus costumes, tradições, folclores, religiosidade, cantos, danças etc.
Religioso: orações, hinos, ritos, símbolos, organização, visão do divino, da vida e da morte.
Existe o VER SUPERFICIAL e o VER PROFUNDO. Se o ver for superficial, o julgamento será injusto, cruel e aventureiro; já o ver profundo é a constante interação entre a Palavra de Deus e os fatos e situações vividos pela comunidade. Não podemos resistir ao Espírito Santo: “Não se amoldem às estruturas deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável a ele, o que é perfeito” (Rm 12,2).
2º) Julgar: O ‘julgar’ é o formar à luz da Palavra de Deus (Bíblia) e dos Documentos da Igreja. ‘Julgar a Realidade’ significa, usando critérios evangélicos, confrontá-la com a prática libertadora dos profetas de Israel, da experiência que os Apóstolos tiveram da pessoa, mensagem e vida de Cristo e das comunidades dos primeiros cristãos. O Educador da fé, da esperança e da caridade não deve ter medo quando julga a realidade ou mesmo quando denuncia os culpados e os agentes principais da corrupção, da exploração e das injustiças.
3º) Celebrar: Celebrar é transformar em oração a realidade em que se vive. Reza-se a vida. A liturgia tem de se ligar intimamente com o que se vive. Celebram-se conquistas, vitórias, fracassos, vida e pecados do povo. Nossa Pastoral deve ser libertadora, ter como centro a Páscoa, passagem da morte à vida de Cristo.
4º) Agir: ‘AGIR’ é o transformar a realidade. Por meio de um olhar bem amplo e profundo da realidade, do julgamento, do juízo que a Palavra faz sobre essa realidade, especialmente dos empobrecidos, camponeses, favelados e abandonados, alguma coisa o agente de pastoral ou formador de opinião, juntamente com a comunidade, deve fazer para gerar sinais do Reino de Deus. AGIR é uma ação concreta e comprometida dos cristãos que, unidos em comunidade, possam transformar as pessoas, a própria comunidade, até atingir a mudança da sociedade injusta e não solidária em uma sociedade fraterna.
O profeta não tem medo de AGIR. Quer TRANSFORMAÇÃO política, econômica, social e amplas reformas. Os profetas são modelos de transformação da sociedade e da religião.
O Evangelho faz constantes apelos a um AGIR consciente. Cristo convida-nos a ações mais corajosas e ousadas. Temos que tomar a cruz e seguir a Cristo.
Nem todos entenderão o sentido destas ações, pois entendem que a religião não deve se intrometer nos problemas políticos, econômicos e sociais. Sabemos que esta mentalidade deve ser purificada.
O AGIR (TRANSFORMAR) sobre a realidade tem seus passos. Não queiramos mudar a realidade toda num só dia. Há as ações transformadoras para hoje; outras, para amanhã ou depois de amanhã. Eis um compromisso sério: temos que entregar um mundo melhor do que está a Deus Criador.
5º) Avaliar: Sem uma crítica séria dos fracassos e vitórias, fica difícil traçar perspectivas futuras para a Pastoral. É um instrumento valioso para aqueles que queiram submeter-se à conversão, às mudanças e ao progresso na fé, na justiça e na missão do mundo. Dicas para avaliação: avaliar as ações realizadas; avaliar os temas a serem aprofundados e projetar as ações comunitárias evangélico-transformadoras.
Concluo esta reflexão com as Palavras do Papa Bento XVI, proferidas em seu Discurso Inaugural da V Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), em Aparecida, 2007:
“Súplica dos discípulos de Emaús
‘Fica conosco, pois a noite vai caindo e o dia está terminando’ (Lc 24, 29).
Fica conosco, Senhor, acompanha-nos mesmo se nem sempre te soubemos reconhecer. Fica conosco, porque se vão tornando mais densas à nossa volta as sombras, e tu és a Luz; em nossos corações insinua-se o desespero, e tu os faz arder com a esperança da Páscoa. Estamos cansados do caminho, mas tu nos confortas na fração do pão para anunciar a nossos irmãos que, na verdade, tu ressuscitaste e que nos deste a missão de ser testemunhas da tua ressurreição.
Fica conosco, Senhor, quando à volta da nossa fé católica surgem as nuvens da dúvida, do cansaço ou da dificuldade: tu, que és a própria Verdade como revelador do Pai, ilumina as nossas mentes com a tua Palavra; ajuda-nos a sentir a beleza de crer em ti.
Fica nas nossas famílias, ilumina-as nas suas dúvidas, ampara-as nas suas dificuldades, conforta-as nos seus sofrimentos e na fadiga quotidiana, quando à sua volta se adensam sombras que ameaçam a sua unidade e a sua natureza. Tu que és a Vida, permanece nos nossos lares, para que continuem a ser berços onde nasce a vida humana abundante e generosamente, onde se acolhe, se ama, se respeite a vida desde a sua concepção até ao seu fim natural.
Permanece, Senhor, com os que, nas nossas sociedades, são mais vulneráveis; permanece com os pobres e humildes, com os indígenas e afro-americanos, que nem sempre encontraram espaços e apoio para expressar a riqueza da sua cultura e a sabedoria da sua identidade. Permanece, Senhor, com as nossas crianças e com os nossos jovens, que são a esperança e a riqueza do nosso Continente, protege-os das tantas insídias que atentam contra a sua inocência e contra as suas legítimas esperanças. Oh bom Pastor, permanece com os nossos idosos e com os nossos enfermos! Fortalece todos na sua fé para que sejam teus discípulos e missionários!” (DI, 5).
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.