Quinta feira da Segunda Semana da Páscoa. Páscoa da vida nova do Ressuscitado em nossas vidas. Deus que encarnara na pessoa do Filho e continua presente na história humana, levando-nos a passagem da escravidão para a liberdade. Páscoa não apenas como um ritual litúrgico, mas que deve acontecer em gestos concretos a cada instante de nossas vidas, na busca pela felicidade de ser com o Cristo. Todavia, só podemos fazer isto pela mudança radical de vida. Mudança pela conversão que é um ato diário, impulsionando-nos à Verdade da Palavra anunciada por Jesus.
Rezei nesta manhã as margens do Araguaia. Fui ter com o profeta dos pobres do Araguaia. Rezei na companhia do bispo Pedro, invocando as forças ancestrais dos povos originários. Ele que foi para os povos indígenas o “Guardião das Causas Indígenas”, como bem disse o cacique Damião Paridzané, do Povo Auwé Uptabi (Xavante) de Marãiwatsédé, no ritual funerário de nosso pastor. Um momento especial na minha vida, começar o dia no “campo sagrado”, onde está o túmulo de Pedro, buscando força para continuar fiel às causas de Jesus na pessoa dos Povos Indígenas aqui da nossa Região Amazônica. Já se vão trinta e um anos de aprendizado que aqui estou na convivência com os saberes tradicionais indígenas.
Na Semana dos Povos Indígenas, mais do que meditar o texto do Evangelho do dia, trouxe comigo uma das frases que Pedro costumava repetir com frequência: “A solução é sempre a esperança. Uma esperança, porém, que comece a trabalhar, que saiba viver o dia a dia, que procure fazer o trabalho de justiça e libertação com os outros”. Trabalhar com os povos indígenas sem ter em vista este esperançar de reconstrução, de descolonização e (des) evangelização, incorreremos no mesmo erro dos colonizadores e na atuação cúmplice da Igreja, que foi omissa e conivente com o massacre de indígenas e negros.
Pensar a Semana dos Povos Indígenas de forma positiva é pensar uma realidade histórica que nos situe criticamente, frente ao processo que representou a chegada do saqueador europeu aqui no Continente. Ali, deu início à importunação, a invasão cultural e geográfica, promovendo o massacre étnico cultural dos habitantes que aqui já estavam desde sempre. Tem razão o filósofo Argentino Enrique Dussel; como um dos maiores expoentes da Filosofia da Libertação e do pensamento latino-americano, diria: “o que houve aqui na América não foi um ‘Descobrimento’, mas um ‘Encobrimento’”. A sobreposição de valores europeus sobre o modo de ser, viver e pensar dos Povos Originários. Coisas que a escola insiste ainda em não querer ensinar aos seus alunos.
Os povos Indígenas, o Povo Negro, favelados, os pobres de maneira geral, vivem uma situação de “diáspora no país. Diáspora que é um termo grego “diasporá”, com o significado de “dispersão de povos”. Vivendo em seus territórios há milhares de anos, os indígenas sentem-se ameaçados diante da volúpia assassina, criminosa e gananciosa de latifundiários, madeireiros, agropecuaristas, garimpeiros, dentro destes territórios, forçando os seus verdadeiros donos a viverem na diáspora. Tal situação levou um dos nossos maiores antropólogos a assim afirmar: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”. (Darcy Ribeiro)
Descaso que não pode acontecer com aqueles e aquelas que seguem na pista do Ressuscitado. Jesus não somente anunciou o Projeto de Deus entre nós como também testemunhou pelos seus atos a presença viva de Deus em si. Acreditar no testemunho de Jesus é testemunhar. Pela fé e adesão à pessoa do Ressuscitado, damos continuidade às mesmas ações desenvolvidas por Jesus. Como o Evangelho de hoje mesmo diz: “Aquele que vem do céu está acima de todos. Dá testemunho daquilo que viu e ouviu. Quem aceita o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro”. (Jo 3,31-33) Quem acredita nesta verdade e procura vivê-la, dá testemunho dela e vive em comunhão com o próprio Deus.
Não basta conhecer, ter fé e acreditar em Jesus: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu. (Mt 7,21) É necessário estar disposto e disposta a dar testemunho d’Ele diante deste mundo. Acreditar é testemunhar. Testemunho não com palavras apenas, ou com a recitação de versículos da Bíblia, mas com a própria vida, deixando se tocar pela Palavra de Jesus e ser um com Ele. Quem não aceita o testemunho de Jesus, acaba servindo a outros interesses e perdendo a chance de estar em sintonia com o Projeto de Deus.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.