Vento de Deus

Sexto Domingo da Páscoa. Dia da Ressurreição do Senhor! Todos os dias são dias d’Ele. Hoje, especificamente, o trazemos mais próximo a nós neste Período Pascal. O Senhor faz questão de estar presente no meio de nós, semeando a esperança em nossos corações, para que sejamos as sementeiras vivas do amor de Deus no mundo. O Sopro Divino do Criador (Espírito) insufla em nós a vida que deve ser doada em gestos concretos de amor/serviço. Jesus, o “Servo Sofredor” motiva as nossas ações, caminhando de mãos dadas conosco: “Não vos deixarei órfãos”. (Jo 14,18).

Rezei nesta manhã mais uma vez na calmaria se fazendo paraíso em meu quintal, com a madrugada dando lugar ao dia claro. A luz divina, rompendo a penumbra da noite escura, irradiando a luz do sol, trazendo o dia pela mão. Segundo os indígenas, é ele, o sol, que se encarrega de trazer para nós mais um dia. Recebe esta incumbência diretamente das forças superiores ancestrais. Cada dia é único e em cada um deles, Deus nos dá a chance de recomeçar, de fazer diferente e melhor. O dia se coloca de braços abertos para que caiamos dentro de seu abraço, renovando o nosso ser, com coragem, ousadia, e desprendimento.

Parafraseando o Profeta Amós: “Não sou profeta, nem filho de profeta” (Amós 7,14), diria eu: não sou poeta e nem filho de poeta. Mesmo assim, atrevi-me a rezar invocando o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), que num de seus versos assim se manifesta: “É fácil caminhar lado a lado, difícil é saber como se encontrar! É fácil apertar as mãos, difícil é reter o calor! É fácil sentir o amor, difícil é conter sua torrente!” É fácil brincar com as palavras, difícil é trazer em si a arte de dar sentido e beleza poética à elas. Mesmo não sendo poeta, dialoguei com o meu Deus na minha pequenez e limitação, trazendo presente tantos amigos e amigas que a vida me deu como dádiva de Deus.

Domingo da Ressurreição do Senhor! Domingo em que celebramos também uma das testemunhas privilegiadas do Senhor. A Igreja celebra hoje a Festa de São Matias, cujo nome quer dizer, “Dom de Deus”. Matias foi aquele que ocupou o lugar de Judas, Iscariotes, sendo escolhido (sorteado) logo após a Ascensão de Jesus, para fazer parte dos doze do discipulado de Jesus. Embora não tenha recebido o chamado diretamente de Jesus, se juntou aos onze, dando continuidade às ações de Jesus, conforme o relato dos Atos dos Apóstolos (cf. At 1, 23-26).

Somos também integrantes do grupo de Jesus, na medida em que abraçamos com Ele as causas do Reino. Cada um de nós é um “Matias”, escolhidos e chamados à fazer parte da família d’Ele, como seguidores seus. Caminhar com Jesus é testemunhar a fé no Deus que Ressuscitou Jesus para ser conosco nas empreitadas da vida. Assim, somos desafiados a descolonizar mente e coração para acolher a Palavra que é vida nas nossas vidas. Amar a Jesus é mais exigente do que podemos imaginar e somente aqueles e aquelas que se deixam inebriar pelo seu amor generoso, dão conta de cumprir tal missão, como o próprio Jesus assim o disse: “Quem me ama realmente guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e a ele nós viremos”. (Jo 14,23)

Quem faz parte do discipulado de Jesus sabe que não anuncia a si mesmo e nem busca os seus próprios interesses, mas se ocupa das coisas do Pai. Para o cumprimento adequado desta missão, Jesus envia o Espírito Santo de Deus: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade”. (Jo 14,16-17), O Espírito é a memória viva de Jesus que continua presente naqueles que o seguem. É este espírito da verdade que nos ajuda a discernir os acontecimentos para continuar o processo de libertação, distinguindo o que é vida e o que é morte, e realizando novos atos de Jesus na história.

O Espírito é de Deus: Ruah. Um termo hebraico que geralmente na tradição bíblica é traduzido por “espírito”. Também conhecido como “vento“, “sopro” ou “respiração“. A palavra “Ruah” está presente no Antigo Testamento, designando o ar em movimento, seja sopro do vento (Êx 10,13; Jó 21,18), seja o que sai das narinas (Gn 7,15. 22), Ruah é a força vital, os pensamentos, os sentimentos e as paixões, nos quais ela se exprime (Gn 41,8; 45,27; 1Sm 1,15; 1Rs 21,5). Ruah, cujo gênero é feminino, mostrando assim o ser feminino de Deus. Ruah, que o nosso bispo Pedro traduziu assim em forma de poesia/oração: “Tu que sopras onde queres, Vento de Deus dando vida, sopra-me, sopro fecundo! Sopra-me vida em teu sopro! Faze-me todo janelas, olhos abertos e abraço. Leva-me em boa Notícia sobre os telhados do medo. Passa-me em torno das flores, beijo de graça e ternura. Joga-me contra a injustiça em furação de verdade. Deita-me em cima dos mortos, boca-profeta a chamá-los”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.