Maria tem pressa

Quarta feira da Oitava Semana do Tempo Comum. A Igreja Católica celebra no dia de hoje a Festa da Visitação de Maria à Isabel. Um marco importante na história do cristianismo narrado pelo evangelista Lucas que coloca frente a frente, num mesmo cenário, duas promessas: a Mãe do Salvador e a Mãe de João Batista, aquele que veio à frente anunciando e preparando os caminhos do Senhor. Duas mulheres fortes que enfrentaram a realidade adversa de seu tempo e se entregaram confiantes nos braços do Pai como doadoras de vidas.

Apesar da festa litúrgica deste dia, nossa quarta feira começou mais cinzenta. Um grande retrocesso aconteceu no dia de ontem no Parlamento Brasileiro: O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (30), por 283 votos a favor e 155 contra, o Marco Temporal. Este projeto de lei estabelece a tese de que a demarcação de terras indígenas só pode ocorrer em comunidades que já ocupavam esses locais quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Ignorando por completo o histórico de luta e resistência destes povos, que habitam estas terras desde a chegada do colonizador por aqui.

Enganam-se aqueles que entende que os povos indígenas serão os únicos prejudicados neste movimento errático do parlamento conservador de “ruralistas”, “bancada da bala” e “evangélicos”, que temos entre nós. Perde toda a sociedade, com a possibilidade de mais invasões de terras, desmatamentos, poluição dos recursos hídricos e, consequentemente todas as mudanças climáticas. Ainda bem que ainda nos resta o Senado Federal e, caso aprovado também ali, o Supremo Tribunal Federal (STF), para por a casa em ordem e fazer valer aquilo que está escrito na Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 231 e 232.

Mas o clima é de festa no que diz respeito a nossa caminhada eclesial. Maria que visita sua prima Isabel. Duas gerações que se encontram. De um lado, uma anciã estéril que está grávida, por obra e graça de Deus; de outro uma “mãe solteira” que engravida pela força e ação do Espírito Santo de Deus. Maria que foi visitada pelo anjo Gabriel com uma mensagem de amor trazida do próprio Deus: proposta revolucionária de fazer dela a Mãe do Salvador. E ela aceitou. Aceitar Jesus é estar aberto a aceitar, receber e doar-se aos outros. Coisas que Maria faz deslocando-se para estar e cuidar de sua prima.

Maria vivia em Nazaré, na Galileia, localizada mais ao norte de Israel. Isabel morava na área central do país, nas montanhas de Judá, provavelmente numa cidadezinha de nome Ain Karin. A distância entre estas duas regiões é de aproximadamente 100 a 150 quilômetros. Para se fazer este percurso, são necessárias pelo menos umas 32 horas ininterruptas de caminhada. Evidente que Maria não fez todo esse trajeto sem parar. Entretanto, só o fato de estar grávida, dá para imaginar o grau de dificuldade que a Mãe de Jesus encontrou.

Para uma boa compreensão deste texto lucano, é necessário ir mais além. Apesar desta localização geográfica, as montanhas de Judá funcionam mais como um lugar teológico, já que ali há uma manifestação teofânica no encontro destas duas matriarcas. Deus se revelando profundamente nestas duas personagens. Maria que carrega em si a presença do Espírito Santo. Uma mulher com a presença viva de Deus em sua pessoa: “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. (Lc 1,41) Maria cheia da presença de Deus faz com que também Isabel seja tomada pelo mesmo Espírito.

Maria que tem pressa de servir. Maria que se entrega totalmente nas mãos de Deus e deixa que este conduza o seu destino. Maria que não se contenta em esperar para ver o que iria acontecer, mas se faz mulher atuante e vai ao encontro. Maria solidária que se faz gesto concreto de cuidar de quem necessita. Maria solidária das causas dos mais necessitados. Estando servindo, a quem dela necessitava, se faz também mulher solidária dos pobres abandonados. O seu Cântico demonstra isso. Nele, ela se faz partidária dos pobres, que reconhecem a vinda de Deus para libertá-los através de Jesus. Cumprindo a promessa, Deus também assume o partido dos pobres, e realiza uma transformação na história, invertendo a ordem social: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem a direção dessa nova história.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.