O Deus dos vivos

Quarta feira da Nona Semana do Tempo Comum. O mês de junho vai se desenhando conforme as forças da natureza. Ainda trazemos em nós os reflexos da Semana do Meio Ambiente, que neste ano teve como tema “Soluções para a poluição plástica”. Este é um dos nossos maiores desafios, de como encontrar algo que não seja tão poluente e degradante para o meio ambiente como o plástico, que leva cerca de 450 anos para se decompor. Virou uma rotina insana usar discriminadamente o plástico e jogá-lo na lata de lixo, sem sabermos os danos que estes causam.

O meio ambiente é a vida e a sobrevivência para todos os seres que vivemos neste planeta. Tudo está interligado e tudo faz sentido na cadeia alimentar que faz sobreviver todos os seres. A ausência de qualquer um destes seres, provoca o desequilíbrio, afetando todos os demais seres. O filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) já nos dizia: “A natureza não faz nada em vão”. A sabedoria indígena sabe bem o que isto quer dizer, como está expresso nesta fala de uma das nossas lideranças indígenas daqui: “A Terra está chorando, pena que as pessoas da cidade não estão escutando o seu choro. Depois seremos nós todos que iremos chorar”.

O sonho maior de Deus foi o de nos criar a sua imagem e semelhança (Gn 1,26-27). Deus é plenitude de vida e nós, como suas criaturas, trazemos em nós este estigma. Deus nos criou para a vida plena. Ao insuflar sobre nós o sopro do dom da vida, Ele nos designou para que a vida fosse a nossa maior dádiva. Não foi para a morte que o nosso Deus nos criou. A morte é apenas uma circunstância finita de uma realidade que abre para o infinito que é Deus. O evangelista Lucas nos inspira o sonhar de Deus quando nos diz: “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele”. (Lc 20,38)

A vida e a morte são duas realidades distintas que se cruzam no limiar de nossa existência. A vida e a morte como tema central que o texto da liturgia deste dia nos oportuniza refletir. Jesus está mais uma vez envolvido numa polêmica diante das autoridades judaicas: “Mestre, Moisés deu-nos esta prescrição: Se morrer o irmão de alguém, e deixar a esposa sem filhos, o irmão desse homem deve casar-se com a viúva, a fim de garantir a descendência de seu irmão”. (Mc 12,19). Diante desta afirmação, eles queriam saber de Jesus com quem ficaria na outra vida, certa mulher que havia se casado com sete irmãos.

Desta feita não são os fariseus que procuram armar uma cilada para que nela Jesus caísse, mas os saduceus. Lembrando que, enquanto os fariseus tinham uma mentalidade mais religiosa, os saduceus estavam mais voltados para a política. Todavia, embora houvesse muita intolerância e desconfiança mútua entre esses dois grupos, eles se aliaram em seu ódio comum contra Jesus. Enquanto os fariseus acreditavam em uma ressurreição corpórea e da vida eterna, os saduceus não criam na ressurreição corpórea, nem na vida eterna.

Independente das divergências entre fariseus e saduceus, certo é que eram duas facções judaicas proeminentes na Palestina no tempo de Jesus. Os fariseus eram conhecidos por sua adesão estrita à Lei e crença na vida após a morte, enquanto os saduceus rejeitavam a Lei Oral e negavam a vida após a morte. Importante que se diga que os fariseus eram mais populares entre as pessoas comuns, enquanto os saduceus eram mais influentes entre a aristocracia e o sacerdócio do Templo. Outro dado importante é que, tanto os Saduceus quanto os Fariseus eram partidos religiosos. Ambos eram críticos a pessoa e ação de Jesus e eram também criticados por Jesus.

A vida após a morte tem uma outra compreensão lógica que foge ao nosso raciocínio. Muitas das vezes ficamos projetando a vida eterna como se fosse uma continuidade desta realidade que vivemos aqui e agora. A vida eterna está para além de tudo o que podemos imaginar no horizonte dos nossos sonhos. Jesus tenta esclarecer os saduceus sem muito sucesso: “Com efeito, quando os mortos ressuscitarem, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu”. (Mc 12,25) Jesus desmoraliza a postura equivocada dos saduceus, apresentando o cerne da Palavra de Deus: Ele é o Deus comprometido com a vida. Não criou ninguém para a morte, mas para a aliança consigo mesmo para sempre. A vida na ressurreição não pode ser imaginada como cópia do modo de vida deste mundo. Gosto de pensar com São Francisco de Assis que dizia: “Quando abandonares esta terra, não poderás levar contigo nada do que tens recebido, somente o que tens dado: um coração enriquecido pelo serviço honesto, o amor, o sacrifício e o valor”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.