A hermenêutica de Jesus

Segunda feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum. Uma semana muito importante para a nossa caminhada eclesial. Estamos dentro da 38ª Semana do Migrante (18 a 25), que neste ano, em sintonia com a Campanha da Fraternidade 2023, enfoca o tema: “Migração e Soberania Alimentar” e o lema:“Pátria é a Terra que lhe dá o pão”. Nesta semana estamos refletindo sobre as dificuldades enfrentadas por todos aqueles que deixaram as suas terras, em busca de melhores condições para viver com dignidade. Além de estarem longe de seu “torrão natal”, passam por todos os tipos de dificuldades, principalmente a fome. E a fome tem pressa.

O nome Migrante é dado a toda aquela pessoa que se transferiu de seu lugar habitual, de sua residência comum, ou de seu local de nascimento, para refugiar-se em outro lugar, região ou país. Também o termo “Migrante” é frequentemente usado para definir as migrações em geral, tanto de entrada quanto de saída de um país, região ou lugar. Uma população sofrida, carente de alimentação, água, trabalho e moradia. De alguma maneira todos nós somos migrantes, pois estamos indo rumo ao “Bem Viver” em Deus, nosso criador. Abrir o coração ao migrante é dar-lhe aquilo que ele necessita e não o que nos sobra. Acolher e cuidar é preciso!

Na Semana do Migrante, Jesus nos convoca a ter uma compreensão melhor da Palavra de Deus e aquilo que ela nos traz em forma de lei/ensinamento. Uma nova hermenêutica, superando a forma de interpretação fundamentalista de lei. De origem grega, a palavra Hermenêutica (“hermeneuein”) é tida inicialmente como a filosofia da interpretação. Para além da filosofia, esta palavra é percebida como a teoria ou a filosofia da interpretação que viabiliza a percepção do texto além de suas palavras, de sua simples aparência. Na sua essência grega, a hermenêutica quer expressar à compreensão do fato não perceptível. Ler nas entrelinhas.

Jesus e sua hermenêutica libertadora da lei. Esta é a proposição a que somos desafiados no dia de hoje na nova compreensão que devemos ter, fundamentada nos princípios do Evangelho. Seguimos refletindo com a ajuda do Evangelho de Mateus, com foco no “Sermão da Montanha”. “Ouvistes o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!” (Mt 5,38) Esta era a compreensão que os antigos tinham acerca da interpretação (hermenêutica) da lei. Seguiam a risca aquilo que lhes vinha do “Código de Hamurabi”, um conjunto de leis criadas pelo sexto rei da Suméria Hamurábi (1770-1750 a.C.), da primeira dinastia babilônica, no século XVIII a.C., na Mesopotâmia. Este código era baseado na “lei do Talião”, “Olho por olho, dente por dente”.

A Lei de talião correspondia a compensação ou reciprocidade do crime cometido por uma pena equivalente. Por esta lei o criminoso devia ser exemplarmente punido de forma equivalente ao crime, a falta que cometera. A palavra talião é derivada do latim “tálio”, que significa “retribuição”. A fórmula conclusiva para a interpretação desta proposição de lei está na frase “olho por olho, dente por dente”. O que se fez será punido com o mesmo que fizera a pessoa. Tal e qual.

Jesus se opõe radicalmente a esta interpretação da lei, que inclusive, era a hermenêutica utilizada pelas autoridades religiosas de seu tempo.. E vai mais além, propondo que o mal seja combatido com atitudes de benevolência. Na sua hermenêutica libertadora, Jesus supera o caráter de “vingança” (“justiçamento”) que se esconde por detrás da interpretação fundamentalista da lei. Se requer do seguidor e da seguidora de Jesus que esta não seja uma pessoa passiva ou ingênua, mas que seja proativa, com atitudes que desarmem os malvados de coração, que se deixam dominar pelo ódio. O indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) dizia: “Olho por olho, e o mundo acabará cego”. Mesmo sendo um pacifista, acabou sendo assassinado.

Não se cumpre a lei utilizando critérios de vingança. É preciso bom senso e critério fundamentados na sabedoria e no espírito desarmado que precisamos ter. Neste sentido, o Evangelho propõe que tenhamos uma atitude nova, a fim de eliminar radicalmente a espiral da violência, não utilizando das mesmas armas utilizadas pelos odiosos e violentos. A melhor maneira de desarmar os violentos é contrapor a eles com atitudes que eles não esperam, uma vez que aguardam serem confrontados com igual violência. Os fracos é que fazem uso da força, da violência e da vingança. Ser com e como Jesus exige que o nosso coração transborde de amor e tenha a vivência da justiça na medida certa. Que a lei nos liberte e assim possamos repetir com o salmista: “Vossa palavra é uma luz para os meus passos, e uma lâmpada luzente em meu caminho”. (Sl 118 /119,105)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.